
Ela ainda sente o cheiro do pano pressionado contra seu rosto. A memória dos segundos intermináveis sem ar faz seus dedos tremerem ao segurar o celular. "Pensei que ia morrer ali, no chão da minha própria cozinha", desabafa Mariana (nome fictício), 34 anos, sobre a tentativa de asfixia pelo companheiro na última terça-feira.
O que deveria ser uma discussão banal sobre contas virou pesadelo. "Ele simplesmente... mudou. Como se um interruptor tivesse sido acionado", descreve, esfregando inconscientemente o pescoço onde ficaram marcas roxas. Quando conseguiu se livrar, correu para a delegacia mais próxima — descalça, ainda com o avental manchado de café.
Liberdade que dói
O choque veio 48 horas depois. "Me mandaram mensagem que ele já estava solto. Como assim?", questiona, voz embargada. O agressor foi liberado após audiência de custódia — alegaram "falta de antecedentes" e "bom comportamento durante a prisão". Ironia cruel para quem ainda tem pesadelos com o cheiro do suor dele durante o ataque.
O delegado responsável pelo caso, em off, comenta: "Temos as mãos amarradas pela lei. Às vezes o sistema parece feito para proteger quem não merece". Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 70% dos feminicídios acontecem após processos assim — quando a vítima já havia denunciado.
Falta de proteção
Mariana agora divide a cama com um spray de pimenta e o medo. "A medida protetiva? Um papel que não impede ele de chegar perto", dispara. Sua história ecoa a de tantas outras — só em 2024, o Ligue 180 registrou aumento de 23% em denúncias de violência por parceiros íntimos.
Psicólogos alertam: "O período pós-soltura é o mais perigoso. A falsa sensação de impunidade infla a agressividade", explica Dra. Luana Torres, especialista em traumas. Enquanto isso, Mariana aprende a viver com olhares constantes sobre o ombro e a pergunta que não cala: "Quantas precisam morrer para isso mudar?"