
Imagina acordar e não ter uma gota d'água na torneira. Nem para beber, nem para cozinhar, muito menos para tomar banho. Agora imagina isso durando não um, não dois, mas sessenta dias seguidos. É o pesadelo real que os moradores de Mucajaí, a segunda maior cidade de Roraima, enfrentam desde julho.
Enquanto isso, o silêncio das autoridades é quase tão ensurdecedor quanto a sede da população. A promessa era de que o problema seria resolvido em 48 horas – mas alguém esqueceu de avisar o calendário, porque já se passaram mais de 1.440 horas.
Desespero e improviso no dia a dia
A vida em Mucajaí se transformou numa busca diária por água. Não é exagero dizer que conseguir o líquido precioso virou trabalho em tempo integral. Famílias inteiras precisam se organizar para buscar água onde quer que apareça: de poços artesianos à beira de estradas a carros-pipa que nunca chegam no horário prometido.
"A gente vive de favor", desabafa uma moradora, com uma voz que mistura cansaço e revolta. "Ou é na casa de parente, ou é na beira do rio. Não temos mais dignidade". O relato é só um entre centros – todos contando a mesma história de abandono.
O que dizem as autoridades? Quase nada
Aqui é que a coisa fica ainda mais absurda. O governo do estado joga a responsabilidade para a prefeitura. A prefeitura, por sua vez, diz que o problema é da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER). E a CAER? Bem, essa parece ter sumido do mapa.
Enquanto esse pingue-pongue burocrático segue seu curso, a população vai tentando sobreviver. Idosos, crianças, doentes – todos igualmente afetados pela falta do mais básico dos recursos. A pergunta que ninguém consegue calar é: até quando?
Além da sede: os riscos à saúde
Quando a água não vem pelos canos, ela acaba vindo de qualquer lugar – e nem sempre de forma segura. O uso de fontes alternativas e não tratadas aumenta dramaticamente o risco de doenças como diarreia, hepatite e leptospirose.
Os mais vulneráveis, claro, são os que mais sofrem. Crianças brincando com água possivelmente contaminada, idosos sem condições de carregar baldes pesados... a situação é uma bomba-relógio sanitária prestes a explodir.
Dois meses. Sessenta dias. Mais de mil horas sem água encanada. Enquanto escrevo isso, torneiras continuam secas em Mucajaí. O desespero aumenta, a paciência se esgota, e as promessas continuam vazias como as caixas d'água da população.
Roraima parece ter esquecido sua segunda maior cidade. Mas os moradores de Mucajaí não podem esquecer – afinal, a sede diária é um lembrete constante de que, às vezes, o progresso não passa de uma ilusão distante.