Numa esquina qualquer de Brasília, onde o vento corta mais que o frio da madrugada, um prédio iluminado desafia a lógica da invisibilidade. É ali, entre lençóis limpos e café quente, que o Hotel Social do DF tá virando o jogo pra quem só conhecia o asfalto como cama.
"Parece até mentira acordar e tomar banho quente", confessa José Ricardo, 54 anos, enquanto ajusta o uniforme novinho do trabalho que conseguiu através do projeto. Suas mãos calejadas — testemunhas de noites sem fim sob marquises — agora seguram uma chave de quarto.
Muito mais que quatro paredes
O programa, que já virou caso de estudo em outros estados, não se contenta em só distribuir cobertores. Psicólogos, assistentes sociais e até professores de oficinas ocupacionais fazem parte dessa rede que:
- Oferece acompanhamento médico (inclusive odontológico — algo raríssimo nesses casos)
- Disponibiliza cursos profissionalizantes desde garçom até assistente administrativo
- Faz a ponte com empresas parceiras pra efetivação no mercado de trabalho
"A gente trata cada história como única", explica Mariana Lopes, coordenadora do projeto, enquanto mostra a horta comunitária que os próprios acolhidos cultivam. "Tem desde vítimas da crise econômica até quem perdeu tudo por vícios. Aqui, todos são dignos de recomeço."
Números que emocionam
Só nos últimos 3 meses, o hotel — que parece mais um condomínio bem cuidado — já:
- Atendeu 142 pessoas
- Encaminhou 37 pra empregos formais
- Matriculou 19 em programas de alfabetização
E o melhor? Quase 60% dos que passaram por lá não voltaram pras ruas. Um alívio num país onde políticas públicas pra população em situação de rua frequentemente parecem enfeite de discurso político.
Na cozinha coletiva, enquanto prepara um bolo surpresa pro aniversário de um colega, Rosa — que pediu pra não usar o sobrenome — resume: "Aqui a gente reaprende a ser gente". E nessa frase simples, talvez esteja o maior feito desse projeto que tá mostrando como políticas sociais deveriam funcionar.
