
Numa daquelas cerimônias que arrepia até os mais durões, Campinas parou nesta terça (22) para celebrar uma verdadeira guerreira. A mulher que botou a cara a tapa nos anos 80 pra fundar o primeiro sindicato de domésticas do país — sim, isso mesmo, a primeira! — finalmente recebeu o reconhecimento que merecia.
E olha que a história dessa mulher não é nada daquelas contadas em livros bonitinhos. Começou com conversas de corredor, reuniões escondidas e uma coragem que poucos teriam numa época em que "empregada era quase parte do mobiliário", como ela mesma costuma dizer com aquele humor ácido que só quem viveu pra contar consegue ter.
De faxina em faxina, uma revolução
Nos anos 80, enquanto o país se debatia entre ditadura e abertura política, ela organizava as colegas entre um tanquinho e outro. "A gente se reunia na laje mesmo, depois do serviço", contou emocionada durante a homenagem, enquanto ajustava os óculos — desses de armação fina que parecem carregar histórias em cada risco.
O caminho? Nada fácil. Teve patroa que demitiu na hora ao descobrir, sindicato que não queria "esse tipo" de associado e até ameaça velada. Mas como ela mesma filosofou numa frase que arrancou aplausos: "Quando a gente limpa a casa dos outros desde os 12 anos, medo a gente já deixou no primeiro balde de água fria".
- 1985 - Primeira assembleia clandestina no bairro do Botafogo
- 1987 - Registro oficial do sindicato após 2 anos de burocracia
- 1990 - Primeira convenção coletiva assinada na região
Hoje, quase 40 anos depois, o sindicato que começou com 23 mulheres determinadas representa mais de 5 mil trabalhadoras. E olha que coisa: a maioria das jovens nem imagina como era "no tempo da vó", quando férias e décimo terceiro eram sonho distante.
O reconhecimento que veio — mas ainda falta
A placa entregue no salão nobre da prefeitura brilhava, mas os olhos da homenageada brilhavam mais. Entre um discurso oficial e outro, ela não perdeu a chance de cutucar: "Tá bonito tudo isso, mas cadê a implementação daquela lei das domésticas que tá virando letra morta?" — arrancando risos nervosos de alguns políticos presentes.
E não é que ela tem razão? Apesar dos avanços, dados mostram que:
- Apenas 27% das domésticas têm carteira assinada na região
- O piso salarial ainda é descumprido em 4 de cada 10 residências
- Casos de assédio moral continuam subnotificados
Mas se tem uma coisa que essa mulher de 1,50m de altura (e 2 metros de atitude) ensinou é que mudança não vem de presente. Vem de luta. E a cerimônia de hoje, com aquelas fotos antigas projetadas e os depoimentos emocionados, provou que vale a pena botar a mão na massa — ou melhor, no balde e na vassoura da história.