
Numa jogada que não passou despercebida nos corredores diplomáticos, o governo Lula decidiu excluir os Estados Unidos de um encontro de alto nível sobre democracia marcado para ocorrer durante a Assembleia Geral da ONU. A reunião, que promete acalorados debates, terá a presença de países como China, Rússia e Irã, mas não a do tradicional aliado norte-americano.
Não é todo dia que se vê uma ausência dessas. O Itamaraty, justificando a escolha — que muitos já chamam de calculada —, alegou que o critério para os convites foi priorizar nações com "trajetórias recentes significativas na consolidação democrática". A mensagem, ainda que não explicitamente direcionada, ecoou como uma crítica velada ao cenário político dos EUA, especialmente após os episódios conturbados do Capitólio e as crescentes polarizações.
Ah, a ironia. Enquanto isso, figuras como o chanceler Mauro Vieira devem encontrar-se com Antony Blinken, secretário de Estado americano, noutros eventos paralelos. Ou seja: fora da sala principal, o diálogo segue — mas o recado foi dado.
Não para por aí. A iniciativa brasileira, batizada de "Reunião de Cúpula sobre Democracia e Desenvolvimento Inclusivo", claramente sinaliza um eixo temático preferencial do Itamaraty sob Lula: dar voz a países do Sul Global, muitas vezes marginalizados nas grandes mesas de discussão. África do Sul, Índia e Indonésia estão na lista, o que reforça a tentativa de diversificar parcerias e desafiar a hegemonia ocidental.
Mas o que está realmente em jogo?
Além do simbólico, há muito pragmatismo nessa escolha. Especialistas em relações internacionais veem o movimento como um realinhamento claro — um afastamento da órbita norte-americana e uma aproximação estratégica com potências emergentes e não alinhadas. Algo que, convenhamos, não é exatamente novidade no estilo Lula, mas que ganha contornos mais ousados num mundo multipolar em formação.
O governo americano, por sua vez, mantém—pelo menos publicamente—um silêncio diplomático. Nenhuma declaração agressiva, nenhum protesto formal. Será sinal de que entenderam o troco? Ou apenas estão escolhendo suas batalhas?
Uma coisa é certa: o Brasil está mandando um sinal claro de que sua política externa não só voltou a agir com autonomia, como também está disposta a chutar o tabuleiro quando achar necessário. E isso, meu caro leitor, é que é deixar a conversa interessante.