
Ela preferia não mostrar o rosto antes. Marcas profundas — não só na pele, mas na alma. Agora, diante do espelho, uma nova face a encara. "É como renascer", diz a mulher de 34 anos, vítima de uma agressão que chocou o Rio Grande do Norte no ano passado.
Foram meses de dor. De vergonha. De medo. O companheiro — agora ex — a espancou até deixá-la irreconhecível. Fraturas múltiplas, traumas, cicatrizes que iam muito além do físico. "Pensei que nunca mais me olharia no espelho", confessa, os dedos tremendo levemente ao tocar o próprio rosto.
A longa estrada até a reconstrução
O caminho até aqui não foi nada fácil. Três cirurgias complexas no Hospital Santa Catarina, em Natal. Enxertos ósseos, próteses, horas infinitas sob os bisturis de uma equipe especializada. "Foi como montar um quebra-cabeça humano", brinca o cirurgião plástico Dr. Rafael Montenegro, tentando aliviar o clima pesado.
- Primeira fase: reconstrução da mandíbula destroçada
- Segunda etapa: correção da órbita ocular direita
- Terceira intervenção: enxertos de pele e harmonização facial
E os custos? Quase R$ 120 mil — cobertos pelo SUS após intensa mobilização de coletivos feministas. "Sem essa pressão social, eu estaria esperando até hoje", reconhece a vítima, que pediu para não ser identificada.
"Não sou mais a mesma pessoa"
O psicológico ainda está em reconstrução. Terapia três vezes por semana, pesadelos recorrentes, crises de ansiedade ao ouvir vozes altas. Mas há luz no fim do túnel — ou melhor, no começo de um novo caminho.
"Minha filha de 7 anos finalmente consegue me abraçar sem medo", conta, os olhos marejados. A pequena Sofia desenhou a "mamãe nova" com um sol enorme ao lado — detalhe que arrancou lágrimas até dos médicos mais experientes.
O agressor? Condenado a 12 anos. Cumpriu apenas 8 meses antes de fugir — fato que ela descobriu por acaso numa reportagem local. "Justiça brasileira", suspira, com um misto de ironia e resignação.
O recado que fica
Por que decidiu mostrar o rosto agora? "Para provar que sobrevivemos", responde, firme. Sua história virou símbolo na campanha "RN Contra a Violência Doméstica", que já percorreu 15 cidades do estado.
E para quem ainda sofre calado, ela deixa um conselho simples mas poderoso: "Procure a Delegacia da Mulher mais próxima. Um rosto destruído pode ser reconstruído. Uma vida perdida, nunca."