Não é só mais um mês no calendário. Agosto chegou pintado de lilás em Santarém, e a cor não foi escolhida por acaso. A campanha que tomou conta da cidade promete sacudir consciências onde menos se espera: desde salas de aula até os barulhentos canteiros de obras.
Quem passa pelo canteiro da obra do Hospital Regional sabe — o almoço dessa semana veio com um tempero diferente. Entre uma garfada e outra, operários discutem casos que antes ficavam escondidos atrás das portas. "Nunca tinha parado pra pensar que um piadinha boba podia machucar tanto", admite um pedreiro de 34 anos, entre um gole de café e outro.
Nas escolas, a revolução começa cedo
Enquanto isso, nas escolas públicas, adolescentes que mal sabem amarrar os cadarços já debatem relacionamentos abusivos. A professora Maria do Carmo, veterana de 22 anos de magistério, quase engasgou com o café quando ouviu um aluno de 14 anos argumentar: "Mas professora, ciúme não é prova de amor?". Foi a deixa perfeita para a roda de conversa que se seguiu.
- Palestras interativas que fogem do formato "sermão"
- Distribuição de material educativo com linguagem acessível
- Oficinas que ensinam a identificar sinais de violência
O secretário municipal de Assistência Social, João Batista, revela números que dão frio na espinha: "Só este ano, já registramos 387 casos de violência doméstica. E esses são só os que chegam até nós". A voz dele treme ao lembrar o caso mais recente — uma jovem que demorou três anos para pedir ajuda.
O que dizem os especialistas
Dra. Ana Lúcia, psicóloga com 15 anos de experiência no CRAM (Centro de Referência de Atendimento à Mulher), explica que o problema vai muito além da agressão física. "A violência psicológica deixa marcas invisíveis, mas profundas. E é justamente aí que muitas mulheres não se reconhecem como vítimas", esclarece, enquanto organiza os folhetos que serão distribuídos nos semáforos.
Nas redes sociais, a campanha viralizou com a hashtag #EuMeComprometo, onde homens postam fotos comprometendo-se com o fim da violência. Até o time local de futebol aderiu — os jogadores entraram em campo com faixas lilás no último domingo.
À noite, quando as luzes da cidade se acendem, os outdoors lilás espalhados pelas avenidas principais lembram: combater a violência contra a mulher não é tarefa só para agosto, mas para todos os dias do ano. E Santarém parece ter entendido o recado.
