
Era para ser mais um dia comum no movimentado comércio de Santos, litoral paulista, mas o que deveria ser uma simples negociação se transformou num pesadelo. Tudo começou quando um homem em situação de rua — que pede para não ser identificado por medo de represálias — entrou num estabelecimento comercial da Rua Augusto Severo, no Boqueirão, com uma proposta incomum.
Ele carregava uma garrafa de água mineral fechada, intacta, e fez um questionamento aparentemente inofensivo: será que não daria para trocar aquela água por uma dose de pinga? Não pedia esmola, não queria nada de graça — propunha uma troca, um escambo honesto.
O que veio em seguida foi, nas palavras dele, "uma surra de perder a conta". O segurança do local, sem dar qualquer explicação ou aviso prévio, partiu para a agressão física. Socos, pontapés, humilhação. O homem caiu no chão, tentou se proteger, mas a violência continuou até que ele conseguiu fugir, arrastando-se para longe dali.
As marcas visíveis e as invisíveis
Além dos hematomas e cortes pelo corpo — que qualquer um pode ver —, ficaram as cicatrizes que não aparecem no exame de corpo delito. O medo constante, a sensação de impotência, a certeza de que sua dignidade valia menos que uma garrafa de água mineral.
"Eu só queria um gole de cachaça para esquecer a fome", contou ele, ainda tremendo ao relatar o episódio. "Não estava armado, não ameacei ninguém, não roubei nada. Mostrei a garrafa fechada, ofereci em troca... Mas ele veio pra cima de mim como se eu fosse um bandido perigoso."
O outro lado do balcão
Procurado, o estabelecimento comercial preferiu não se manifestar sobre o caso. Nem o segurança, nem os donos, nem os funcionários que eventualmente testemunharam a agressão. Fica no ar a pergunta: até onde vai o direito de "proteger" um estabelecimento? E onde começa o dever de tratar every ser humano com um mínimo de respeito?
Um policial militar que patrulha a região — e que pediu anonimato — comentou que já viu situações similares. "Às vezes o segurança excede, sim. Mas também há casos em que os moradores insistem, ficam agressivos... É uma linha tênue." No entanto, ele admite: "Nada justifica espancamento".
Um problema que vai além de Santos
Este não é um caso isolado — longe disso. Brasil afora, pessoas em situação de rua frequentemente são tratadas como estorvo, como problema a ser removido, não como seres humanos com direitos e dignidade. A violência contra essa população vulnerável é crônica, sistemática, e muitas vezes acobertada pelo simples fato de que as vítimas não têm voz.
Organizações que trabalham com direitos humanos já se manifestaram sobre o caso. É esperado que o Ministério Público abra investigação, e que a delegacia local apure não apenas a agressão em si, mas também as condições de trabalho do segurança e a política do estabelecimento em relação a pessoas vulneráveis.
Enquanto isso, o homem agredido segue pelas ruas de Santos, com medo de voltar perto daquele bar, mas também com receio de que a próxima vez que tentar negociar um gole de esquecimento, encontre não a recusa educada, mas novamente os punhos cerrados daqueles que deveriam proteger.