
Era uma terça-feira comum no bairro de Jardim Camburi, em Vitória, quando o destino decidiu pregar uma peça cruel em João (nome fictício). Um estampido, um grito — e a vida do garoto de 13 anos virou de cabeça para baixo. A bala perdida que atravessou sua coluna durante uma troca de tiros entre criminosos poderia ter matado seus sonhos. Mas alguém avisou que esse menino é feito de outra liga.
Do asfalto quente à cadeira de rodas
"Parecia filme de ação", conta a mãe, ainda com a voz embargada. Enquanto jogava bola na rua, João sentiu primeiro um calor estranho nas costas. Só depois veio a dor aguda. "Pensei que fosse morrer", admite o adolescente, que passou 45 dias internado — tempo suficiente para descobrir que nunca mais andaria.
Mas eis que surge a reviravolta: durante a fisioterapia, um técnico viu nele o que poucos enxergariam. "Esse moleque tem estrela", disparou o profissional, ao observar a determinação feroz do garoto. Foi assim que nasceu o novo objetivo: competir no atletismo paralímpico.
Trem de ferro
Treinos diários às 6h, musculação adaptada, sessões exaustivas de alongamento. João encara a rotina com uma disciplina que deixaria adultos envergonhados. "Quando sinto dor, lembro do dia do tiro", diz, enquanto ajusta as luvas especiais para empurrar a cadeira de rodas numa pista improvisada.
O técnico Carlos Almeida, veterano em formar atletas paralímpicos, não esconde o espanto: "Em 20 anos, nunca vi um iniciante com tanta fome de vitória". A meta? Os Jogos de Los Angeles em 2028. "Se continuar assim, vai chegar lá", arrisca.
O preço invisível
Por trás da história inspiradora, há contas hospitalares que não param de chegar. A família, de classe trabalhadora, já vendeu até eletrodomésticos para custear tratamentos. "Às vezes faltam remédios", confessa a mãe, que trabalha como doméstica.
A ironia? O crime que mudou sua vida permanece sem solução. "A gente virou estatística", lamenta o pai, enquanto ajusta o encosto da cadeira do filho. Mas no olhar de João, só se vê futuro: "Um dia vou cruzar a linha de chegada e mostrar que bala não mata sonho".