
Era pra ser uma terça-feira comum. A estudante de enfermagem — vamos chamá-la de Ana, porque o trauma ainda fala mais alto que a identidade — arrumava sua mochila para mais um dia de aula quando o silêncio da manhã explodiu em gritos e tiros. Do lado de fora da janela de sua casa, no bairro do José Menino, em Santos, uma cena de filme de terror se desenrolava: o ex-delegado aposentado Paulo Roberto de Oliveira, de 68 anos, era executado com pelo menos oito disparos.
— Minha reação foi paralisar — conta ela, a voz ainda trêmula, dias depois. — Parecia que meu corpo desligou. Só conseguia olhar.
O crime aconteceu por volta das 7h30 da última quarta-feira, mas na memória de Ana, o tempo parece ter esticado como um elástico. Ela lembra dos detalhes mais ínfimos: a cor da camisa do atirador, o som seco dos disparos, a forma como as pessoas na rua corriam desesperadas. E lembra, também, do silêncio perturbador que veio depois.
Uma vida interrompida — duas, na verdade
Paulo Roberto não era um desconhecido na região. Ex-delegado, aposentado havia tempos, vivia uma rotina pacata — até que a violência bateu à sua porta, literalmente, enquanto ele caminhava pela Rua Euclides de Oliveira. Os motivos? A Polícia Civil ainda investiga, mas não descarta envolvimento do crime organizado ou acerto de contas.
— Ele era quieto, mindinho — lembra uma vizinha, que preferiu não se identificar. — Mas já foi delegado, né? Essas coisas deixam rastro.
Enquanto isso, Ana tenta retomar a normalidade. Mas normalidade, depois de algo assim, vira um conceito relativo. Ela faltou às aulas, passou a noite em claro, e agora evita janelas — quem garante que o atirador não volta?
O preço invisível da violência
Além do trauma psicológico — que, diga-se de passagem, é subestimado com frequência —, casos como esse escancaram uma realidade incômoda: a violência urbana não escolhe vítimas. Atinge quem pratica, quem morre… e quem vê.
— A gente fala sempre dos números, das estatísticas — reflete a psicóloga Mariana Lopes, que não atendeu a estudante, mas comenta o caso. — Mas esquece que por trás de cada crime há dezenas de vidas afetadas indirectamente. Testemunhas, familiares, vizinhos. O trauma é uma onda que se espalha.
Ana, por enquanto, segue com apoio da família. Evita noticiários, tenta não remoer os detalhes. Mas algumas coisas grudam na memória, não saem com facilidade.
— Às vezes fecho os olhos e ainda ouço os tiros — desabafa. — Parece que tudo voltou.
Enquanto a polícia busca respostas, a comunidade do José Menino tenta, aos poucos, retomar o fôlego. Mas alguns sons — um escapamento barulhento, um rojão — agora soam diferente. E lembram que, em certas manhãs, a rotina pode virar pesadelo.