
Eis que a poesia invade o plenário do Tribunal Superior Eleitoral numa sexta-feira de maio. Não como mera figura de linguagem, mas como fundamento de uma decisão que vai ecoar na história política do país.
A ministra Cármen Lúcia, numa jogada que mistura erudição e firmeza jurídica, recorre a Carlos Drummond de Andrade para calar de vez um recurso da defesa de Jair Bolsonaro. O verso escolhido? "As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei."
Parece coisa de romance, mas foi a realidade nua e crua do processo que manteve o ex-presidente inelegível até 2030. O poema Nosso Tempo, escrito em plena Segunda Guerra, serviu de martelo judicial em 2024.
O Contexto por Trás dos Versos
Drummond, sabe-se, escreveu esses versos em 1945. O mundo assistia horrorizado ao desenrolar da guerra mais sangrenta da história. E o poeta mineiro capturava a essência de um tempo onde a lei, sozinha, não dava conta de garantir a dignidade humana.
Curioso como palavras de oito décadas atrás soam tão atuais no Brasil de hoje. A ministra não citou por acaso. Foi uma escolha precisa, quase cirúrgica.
Ela mesma explicou: "Precisamos lembrar que as leis, embora necessárias, não são suficientes para criar uma sociedade justa". A fala ecoa no plenário como um recado que ultrapassa o caso específico.
O Recurso que Não Vingou
O pedido da defesa bolsonarista era claro: queriam anular a decisão do ano passado que tornou o ex-presidente inelegível. Alegavam vícios processuais, questionavam interpretações.
Mas Cármen Lúcia foi taxativa. Afirmou que o recurso não apresentava nenhum argumento novo capaz de mudar o entendimento já consolidado. E foi então que trouxe Drummond para o debate.
Não foi mero floreio literário. A ministra usou os versos para reforçar que a aplicação da lei deve considerar contextos mais amplos, valores sociais, a realidade para além dos textos legais.
O Peso Simbólico da Decisão
Há quem diga que a escolha do poema foi uma mensagem. Algo que transcende o jurídico e adentra o simbólico. Drummond, um dos maiores nomes da literatura nacional, sendo invocado para falar sobre democracia e legalidade.
O timing não poderia ser mais significativo. A decisão sai pouco depois de Bolsonaro fazer declarações polêmicas sobre a ditadura militar, o que gerou nova onda de críticas.
E assim, entre processos e recursos, a poesia mostrou sua força. Como lembra a própria ministra, às vezes são as palavras dos artistas que melhor capturam as complexidades humanas que o direito tenta regular.
Resta saber se outros ministros seguirão essa linha mais humanista em futuros julgamentos. Uma coisa é certa: o TSE nunca mais será o mesmo depois que Drummond entrou em cena.