
Eis que o pequeno El Salvador — aquele mesmo que virou notícia por adotar o Bitcoin e declarar guerra às gangues — acaba de virar o jogo político de cabeça para baixo. Numa jogada que deixou até os mais cínicos de queixo caído, o Congresso aprovou nesta quarta-feira (2) uma reforma que, pasmem, permite a reeleição presidencial sem limite de mandatos.
Parece piada? Infelizmente não. Com 67 votos a favor (de um total de 84), os deputados aliados do polêmico presidente Nayib Bukele — sim, aquele da jaqueta jeans e postagens agressivas no Twitter — simplesmente riscaram do mapa o artigo 152 da Constituição, que desde 1983 impedia a reeleição consecutiva.
"Democracia" à la Bukele
Os defensores do governo, é claro, saíram com o discurso pronto: "É a vontade do povo!". Só que... bem, a história é um pouco mais complicada. Em fevereiro, quando Bukele venceu as eleições com 85% dos votos (número que até ditador invejaria), a oposição já denunciava um cenário de perseguição judicial e censura midiática.
E agora, com essa mudança nas regras do jogo no meio do campeonato, a coisa fica ainda mais estranha. "Isso não é democracia, é manual do ditador iniciante", disparou um deputado oposicionista, enquanto do lado de fora do Congresso, manifestantes tentavam — em vão — ser ouvidos.
O que diz a lei (ou o que sobrou dela)
Antes da reforma, a Constituição salvadorenha era clara:
- Proibia expressamente a reeleição imediata
- Exigia intervalo de 10 anos entre mandatos
- Baseava-se no princípio da alternância no poder
Agora? Bom, agora o texto parece mais um "convite" para que Bukele — que já se autointitula "o ditador mais cool do mundo" — fique no cargo o quanto quiser. E olha que ele nem esconde as ambições: "Se o povo permitir, continuarei", declarou recentemente, num daqueles discursos que beiram o messiânico.
Efeito dominó na América Latina?
Enquanto isso, em outros cantos da região, governantes com a pulga atrás da orelha devem estar tirando o cavalinho da chuva. Afinal, se em El Salvador rolou, por que não tentar por aqui? Já imaginou?
Especialistas ouvidos pela reportagem alertam: o caso salvadorenho pode se tornar um precedente perigoso em países com instituições frágeis. "É um golpe travestido de legalidade", resume um professor de Direito Constitucional, enquanto ajusta os óculos com ar de preocupação.
O que vem por aí? Difícil prever. Mas uma coisa é certa: a democracia na América Latina acaba de ganhar mais um capítulo... no mínimo, peculiar.