
Era pra ser um passo à frente. Mais uma chance de inclusão, de abrir portas. Mas, para um grupo de candidatos com autismo, a realidade foi bem diferente – uma porta fechada na cara, com a justiça sendo agora o único caminho.
Imagine se preparar meses, anos, para uma vaga em um concurso público. Você estuda, se dedica, preenche todos os requisitos e, de repente, esbarra em uma barreira invisível, mas intransponível: a interpretação de um edital. Foi exatamente isso que aconteceu com vários candidatos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Eles se inscreveram pelas cotas destinadas a pessoas com deficiência (PcD), mas tiveram suas inscrições sumariamente barradas. O motivo? Uma alegação que, para eles, soa como puro preconceito institucionalizado.
O Cerne da Questão: O que Diz a Lei?
Aí que a coisa fica complicada – e um tanto absurda, na visão de muitos. A organizadora do certame, a Fundação Getulio Vargas (FGV), teria negado o direito à cota com base em um entendimento específico da lei de cotas (Lei 8.112/90). Segundo essa visão, o autismo não se enquadraria automaticamente como deficiência para esses fins, a menos que a condição cause uma “limitação significativa” comprovada. Só que… espere um minuto. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei 13.146/15) é bem clara: considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. O autismo, por sua natureza, é um impedimento de longo prazo. Não é?
Pois é. Essa contradição legal criou um abismo entre a letra da lei e a sua aplicação prática. Os candidatos, é claro, se sentiram não apenas prejudicados, mas discriminados. E aí, o que fazer quando o edital parece ir contra o espírito da lei? Você recorre à justiça. E foi isso que fizeram.
A Resposta Judicial: Uma Esperança com Data Marcada
A Justiça Federal não ignorou o grito por equidade. Um juiz da 4ª Vara Federal Cível do Rio de Janeiro deu uma decisão importante, na verdade, determinando que a FGV e a União se manifestassem sobre o caso. O prazo? Apenas cinco dias. É pouco tempo para uma resposta que pode definir o futuro profissional de muitas pessoas.
O Ministério Público Federal (MPF) entrou na jogada com tudo, apresentando um pedido de tutela de urgência. O argumento deles é afiado: a exclusão desses candidatos com base nessa interpretação restritiva fere princípios constitucionais básicos – a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a própria legislação inclusiva. Eles pedem, nada mais nada menos, que a justiça obrigue a imediata reinscrição dos candidatos barrados, garantindo seu direito de concorrer às vagas reservadas. Afinal, excluir assim, sem uma análise individualizada, é no mínimo… questionável.
O que Esperar Agora?
O caso está na mesa. A União e a FGV terão que se explicar. A sociedade observa. Este não é apenas mais um processo judicial; é um teste. Um teste para ver até onde nossa legislação inclusiva é, de fato, inclusiva. A decisão final pode criar um precedente monumental para todos os concursos públicos futuros no país.
Enquanto a máquina judicial gira, candidatos aguardam ansiosos. Suas carreiras – e seu direito de ter uma chance justa – pendem na balança. O desfecho desse embate pode, finalmente, colocar a teoria da inclusão em prática. Ou não. Resta esperar.