
Não é todo dia que a gente vê a narrativa da cidade sendo virada de cabeça para baixo, mas é exatamente isso que está acontecendo na Vila da Barca, em Belém. Sabe aquela história de que a alta gastronomia só mora nos bairros chiques? Pois é, esquece. O festival Roteiro Cozinha Periférica chegou para provar, de uma vez por todas, que o coração pulsante dos sabores paraenses bate forte nas periferias.
Imagine só: mais de vinte mulheres, mestras dos fogões, transformando um espaço comunitário num epicentro de aromas e sabores que contam histórias. Histórias de resistência, de tradição passada de mãe para filha, de quitutes que carregam a alma do povo. Não se trata apenas de vender comida — embora, cá entre nós, o negócio é sério e movimenta a economia local —, mas de ocupar um lugar de fala e de poder.
Muito Mais do que um Evento Gastronômico
O que começou como uma ideia simples, quase um sonho, virou uma realidade barulhenta e saborosa. A terceira edição do festival, realizada no último final de semana, foi uma demonstração clara de força. A organização, capitaneada pela produtora cultural Luana Kahanny, acertou em cheio ao criar um roteiro que é, na verdade, uma viagem sensorial pela cultura alimentar das quebradas.
E olha, não foi só a maniçoba e o tacacá que roubaram a cena. O cardápio era um verdadeiro tributo à criatividade — pato no tucupi, claro, mas também bolos de macaxeira que derretem na boca, doces de espécies regionais que você nem sabe o nome, e uma infinidade de pratos que desafiam qualquer descrição. Tudo preparado com uma técnica que só quem vive a cozinha no dia a dia consegue dominar.
O Sabor do Empoderamento
O que mais impressiona, pra ser sincero, vai além do paladar. É ver a autoconfiança dessas mulheres crescendo junto com a fila de clientes. Muitas delas nunca haviam visto seu trabalho ser reconhecido fora da vizinhança. Agora, são empreendedoras, artistas, guardiãs de uma cultura que o Brasil precisa conhecer.
“A gente sempre cozinhou por necessidade, por amor, para sustentar a família. Hoje, a gente cozinha também por visibilidade”, comentou uma das participantes, enquanto ajustava o fogo sob uma panela de barro. E é isso. O festival funciona como um trampolim, mostrando que o talento não tem CEP.
E a iniciativa não para por aí. Oficinas, debates sobre segurança alimentar e nutricional, e rodas de conversa sobre o direito à cidade fizeram parte da programação. Ou seja, alimentou-se o corpo e a mente.
Um Futuro Promissor (e Saboroso)
A sensação que fica é de que isso é só o começo. O sucesso do evento — lotação esgotada, gente de outros bairros fazendo a peregrinação até a Vila da Barca — sinaliza um apetite do público por experiências genuínas. As pessoas estão cansadas do artificial, do genérico. Querem o real, o feito com as mãos, o que tem história para contar.
O Roteiro Cozinha Periférica não é um evento isolado. Ele é um grito de existência, uma prova viva de que a cultura popular é o maior patrimônio que temos. E Belém, com sua diversidade fervilhante, é o palco perfeito para essa revolução silenciosa — e deliciosa — que vem das bordas da cidade e avança, sem pedir licença, para o centro.
Fica a dica: fiquem de olho. Essas mulheres estão apenas esquentando os fogões.