
Parece que alguns livros simplesmente se recusam a ficar no passado. E não é que uma verdadeira relíquia das ciências sociais brasileiras está prestes a voltar às prateleiras? Estou falando de Encontro de Sociedades, do antropólogo Eduardo Galvão – uma obra que, diga-se de passagem, mudou completamente a forma como enxergamos o contato entre indígenas e a chamada "civilização".
Originalmente publicado lá nos anos 50 – sim, faz tempo – o livro acaba de ganhar uma reedição caprichada pela Editora UFRJ. E a timing não poderia ser mais perfeita.
Por Que Esse Livro Ainda Arrepia?
Galvão não foi só mais um acadêmico escrevendo teorias. Ele mergulhou de cabeça no mundo dos Tembé, no médio rio Guamá, no Pará. E olha, o que ele encontrou lá foi muito diferente daquela visão romantizada que muita gente tinha (e ainda tem) sobre os povos originários.
O grande lance do livro – e isso foi revolucionário para a época – é que ele mostra os indígenas como agentes ativos da própria história. Não como vítimas passivas, mas como pessoas que negociam, resistem e se adaptam de maneira absolutamente estratégica. Quebrou um paradigma inteiro, me diz?
Mais Atual do Que Nunca
Com a COP30 batendo na porta de Belém, a reedição dessa obra chega como um soco no estômago daqueles que ainda pensam a Amazônia como um "vazio demográfico". O trabalho de Galvão nos lembra, de forma às vezes dolorosa, que a região sempre foi habitada, transformada e manejada por populações que sabem muito bem o que estão fazendo.
E não é só sobre o passado. As questões que ele levantou há setenta anos – sobre terra, identidade, e sobrevivência cultural – continuam absurdamente atuais. Quase dá vertigem.
O Homem Por Trás da Obra
Eduardo Galvão foi uma daquelas figuras que parecem ter vivido várias vidas em uma só. Além de antropólogo de campo meticuloso, ele ajudou a fundar o Museu Paraense Emílio Goeldi e a Universidade de Brasília. Teve dedo em praticamente tudo que importava nas ciências sociais brasileiras do século XX.
Mas talvez seu maior legado tenha sido humanizar aqueles que a sociedade dominante insistia em tratar como "selvagens" ou "primitivos". Ele mostrou que a cultura Tembé era complexa, sofisticada e perfeitamente adaptada ao seu ambiente. Algo que, convenhamos, ainda precisamos aprender hoje.
A nova edição não é simplesmente uma reimpressão. Inclui prefácios que contextualizam a importância do trabalho de Galvão para o presente, mostrando como suas ideias anteciparam debates que só se tornariam centrais décadas depois. É de cair o queixo.
Num momento em que o Brasil se prepara para sediar uma das conferências climáticas mais importantes da história, ter acesso a esse clássico não é apenas interessante – é quase uma obrigação para quem quer entender de verdade os desafios amazônicos. A história, como sempre, tem respostas para o presente. Só precisamos saber ouvir.