
Era mais do que um simples apito. Era o coração de Juiz de Fora batendo pontualmente ao meio-dia, um som que tecia a memória afetiva de gerações. César Lourenço, o homem por trás dessa tradição singular, faleceu nesta quarta-feira (4), aos 85 anos. A notícia deixou um silêncio pesado na cidade — um silêncio que, ironicamente, nunca foi tão alto.
Quem diria que um objeto tão simples poderia carregar tanta história? O apito, que antes anunciava o horário de almoço dos funcionários de uma metalúrgica nos anos 1960, transformou-se no marco zero do dia a dia juiz-forano. Mesmo depois da falência da fábrica, César manteve viva a chama — ou melhor, o sopro.
Um Homem e Sua Missão
Não era por obrigação. Era por amor puro, visceral, à sua cidade. Todos os dias, sem exceção, ele subia até o local que outrora abrigou a empresa — hoje um estacionamento — e, com os pulmões de um homem que parecia carregar a força da própria história, emitia aquele som agudo, cortante, familiar.
“É a minha missão”, costumava dizer, com uma convicção que dispensava explicações. Para ele, não havia discussão: era um pacto não escrito com a comunidade. Chuva, sol, ou dias mais tristes — o apito ecoava. Sempre.
Mais que um Som: um Símbolo
O que começou como um aviso prático tornou-se, com o tempo, um símbolo de resistência. Resistência ao esquecimento, à padronização, ao apagamento do que é singular. Em um mundo cada vez mais digital e impessoal, o apito de César era uma declaração de amor ao analógico, ao comunitário, ao humano.
Muita gente, inclusive, sincronizava seus relógios por ele. Era o ponto de referência de um dia que mal havia começado. Um lembrete de que, no meio da correria, sempre há espaço para uma pausa. Para respirar.
O Legado que Fica
Sua morte não apaga apenas uma vida — ameaça calar uma tradição. A filha, emocionada, já adiantou: a família pretende buscar meios de manter o costume vivo. Mas como substituir um sopro que era, acima de tudo, soul?
Juiz de Fora perdeu muito mais que um cidadão. Perdeu parte de sua identidade sônica, daquela trilha sonora única que ninguém notava até faltar. O apito calou. Mas o eco que deixou na história da cidade permanecerá — alto, claro e inesquecível.