
Uma notícia que corta como uma lâmina. O cinema brasileiro — na verdade, a própria memória do país — está de luto nesta quinta-feira. Silvio Tendler, aquele homem de barba branca e olhar sempre atento, que transformou a história política em narrativa cinematográfica visceral, nos deixou. Aos 75 anos. Um infarto, em casa, no Rio. Simples assim? De jeito nenhum. Nada sobre ele foi simples.
Quem nunca viu um filme do Tendler? É quase como dizer que nunca respirou ar brasileiro. Jango, aquele soco no estômago sobre João Goulart. Os Anos JK, uma viagem e tanto. E Utopia e Barbárie, que é basicamente um tratado sobre a nossa loucura coletiva. A câmera dele não registrava; interrogava. Cutucava a história com vara curta.
Mais que um cineasta: um contador de histórias do povo
Não era só fazer filmes. Era missão. O cara pegava temas pesadíssimos — ditadura, esperanças, traições — e os transformava em algo que a gente conseguia digerir sem perder a revolta. Ele dizia que queria "construir um país mais bonito". Clichê? Só para quem não enxerga a seriedade por trás das palavras.
E o reconhecimento veio — como deveria. Três prêmios do público no Festival de Brasília. Uma carteira de identidade que incluía "Mestre" pela Université de Vincennes, na França. Mas você achava que ele parava? Nem pensar. Até os últimos dias, estava lá, metido em projeto, com uma energia que dava inveja em gente de 20 anos.
O vazio que fica
A família emitiu uma nota, é claro. Curta, direta. Pedindo privacidade. Mas como ter privacidade quando se perde uma figura pública dessas? O velório será no Memorial do Carmo, no Caju. O enterro, no Cemitério de São João Batista, às 16h. Hora de dizer adeus.
O que sobra? Os filmes. As ideias. Aquele incômodo necessário que toda grande arte provoca. Silvio Tendler não era apenas um cineasta. Era um sintoma de um Brasil que insiste em não se esquecer. E, cara, como vamos fazer falta pra ele.