Vida nas ruas de Fortaleza: a batalha diária por um teto e um prato de comida
Rotina de espera por abrigo e comida em Fortaleza

Era pouco depois das 5h quando o sol ainda nem havia nascido sobre Fortaleza. Na Praça da Sé, um grupo de pessoas já formava fila — não para comprar o último lançamento tecnológico, mas por algo bem mais básico: um prato de comida quente e, quem sabe, um lugar para dormir longe do chão duro.

"Tem dias que a gente chega aqui antes do galo cantar e mesmo assim não garante vaga", conta Marcos, 47 anos, enquanto ajusta o boné surrado contra o sol que começa a castigar. Ele, que já foi pedreiro, hoje disputa espaço com dezenas de outros "invisíveis" na rotina cruel da espera.

O abrigo que não abriga todos

Os números são frios, mas a realidade é escaldante: apenas 1.200 vagas em abrigos para uma população de rua que pode chegar a 3.000 pessoas na capital — e isso nos dias "bons". "Quando chove, é uma loucura. Todo mundo quer entrar e os critérios de prioridade viram uma loteria", explica uma assistente social que prefere não se identificar.

  • Fila para alimentação começa a se formar antes das 6h
  • Banheiros públicos? Esquece. A maioria não tem condições de uso
  • No calor de 35°C, bebedouros viram oásis disputados

E não pense que é só no centro. Na Praia de Iracema, a cena se repete — só que com vista para o mar. Ironia cruel. "A gente dorme com sombra de prédio milionário", ri amarelo João, 52 anos, ex-garçom que há três "tá nessa vida".

Além da fome: a saúde que não chega

Se conseguir comida já é um parto, imagina atendimento médico. As equipes volantes aparecem de vez em quando, mas os problemas são diários: de infecções simples a doenças crônicas negligenciadas. "Tem gente que prefere a rua porque nos abrigos não pode usar drogas. Escolha sua prisão", filosofa Rita, 34 anos, enquanto mostra o pé inchado por uma ferida mal tratada.

O poder público jura que está fazendo sua parte — aumentou em 15% os recursos este ano. Mas na calçada, a conta não fecha. Enquanto isso, a fila do café da manhã já ultrapassa o quarteirão.