
O ar em Pequim carregava mais do que a habitual umidade de setembro. Num palanque repleto de uniformes impecáveis e expressões sérias, Xi Jinping, o homem no comando da China, proferiu palavras que ecoariam muito além da Praça Tiananmen. E não eram palavras quaisquer.
Num momento de rara franqueza — ou calculado dramatismo, dependendo de quem analisa — o presidente chinês colocou o mundo contra a parede. A humanidade, segundo ele, enfrenta aquela que talvez seja sua escolha mais crucial nas últimas décadas: o caminho da coexistência pacífica ou a estrada escura do confronto.
Um Alerta que Soa como um Ultimato
Não foi um discurso cheio de rodeios ou daquelas diplomacias típicas de fóruns internacionais. Xi foi direto, quase brutal na sua simplicidade. “O planeta está numa encruzilhada”, disse, com a convicção de quem acredita piamente nas próprias palavras. E o pano de fundo? Um imponente desfile militar que exibia, não por acaso, o que há de mais moderno em tecnologia bélica chinesa.
A mensagem, claro, tinha camadas. Ao mesmo tempo que alertava para os perigos de uma guerra, mostrava o músculo. Um lembrete silencioso, mas impossível de ignorar, de que a China não chegaria despreparada a qualquer eventual conflito. Um jogo duplo e mestre de dissuasão e diplomacia.
O Fim da Hegemonia e o Fantasma da Guerra Fria
O cerne da fala de Xi, no entanto, vai além do binômio paz-guerra. Ele atacou frontalmente — sem citar nomes, é claro — o que chamou de “mentalidade de blocos confrontacionais”. Uma clara alusão à expansão de alianças militares ocidentais, que Pequim vê com desconfiança crescente.
E aqui a coisa fica interessante. O líder chinês defendeu com unhas e dentes um mundo multipolar. Um planeta onde várias potências, e não uma única, ditam as regras do jogo. É basicamente o enterro oficial da era de domínio incontestável de qualquer superpotência solitária.
Não é de hoje que a China prega essa cartilha. Mas a intensidade, o timing e o palco escolhidos para reforçá-la soam como um ponto de viagem. Um recado claro aos seus rivais: o tabuleiro geopolítico já não é mais o mesmo.
Entre Linhas: O que Não Foi Dito
Analistas que acompanharam o discurso notaram nuances importantes. A defesa ferrenha da “soberania e integridade territorial” da China soou, para muitos ouvidos treinados, como um aviso específico sobre Taiwan. Um território que Pequim considera uma província rebelde e que é uma eterna pedra no sapato nas suas relações com o Ocidente.
Além disso, a retórica sobre “estabilidade global” parece estar intrinsecamente ligada à prosperidade económica chinesa. A China precisa de um mundo previsível para continuar a crescer. E está disposta a usar sua influência — e seu exército — para garantir essa previsibilidade.
O mundo ouviu. Resta saber se vai escutar.