
Numa jogada que mistura diplomacia com um claro recado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu usar as páginas do prestigioso New York Times para se dirigir ao mundo – e, quem sabe, a um eleitorado específico do outro lado do hemisfério. A mensagem? Uma defesa ferrenha de um mundo multipolar e uma crítica, nem um pouco disfarçada, ao nacionalismo isolacionista que marcou a era do ex-presidente americano Donald Trump.
Lula, sabe-se, nunca foi de falar baixo. Dessa vez, escolheu um megafone de respeito. O artigo, publicado na edição internacional do jornal, é mais do que uma mera opinião; é um posicionamento de Estado. Nele, o presidente brasileiro tece elogios ao que chama de ‘espírito cooperativo’ do presidente Biden, mas o subtexto é cristalino: um alerta contra um possível retorno das políticas de ‘America First’ que caracterizaram o governo anterior.
O Pano de Fundo de uma Crítica Global
O timing, claro, não é mera coincidência. Com as eleições americanas no horizonte e a sombra de Trump pairando sobre a campanha, Lula joga uma luva. E que luva. O texto avança sobre temas espinhosos, desde a crise climática até a governança econômica global, sempre defendendo que os grandes desafios do nosso tempo demandam cooperação, e não confronto. É quase um manifesto pela social-democracia internacional.
Mas vamos com calma. O que realmente salta aos olhos é o tom. Longe de ser um tratado diplomático entediante, o artigo traz a marca registrada do Lula político: um linguajar direto, quase conversado, que consegue ser ao mesmo tempo sofisticado e acessível. Ele fala de ‘construir pontes’ em um mundo que alguns preferem ‘cercar’. Uma metáfora poderosa, não?
As Entrelinhas e a Mensagem não tão Subliminar
Para qualquer observador minimamente atento, o alvo é claro. Ao exaltar a reinserção dos EUA em fóruns multilaterais sob Biden, Lula está, na verdade, condenando o unilateralismo trumpista. É um daqueles casos em que dizer ‘A’ é uma forma elegante de criticar ‘B’. Uma masterclass em diplomacia pública, alguns diriam. Outros, uma provocação de alto calibre.
O curioso é que o artigo praticamente ignora Jair Bolsonaro, o antecessor de Lula e aliado declarado de Trump. O silêncio é ensurdecedor. A escolha de mirar no líder americano, e não no seu ex-parceiro brasileiro, sugere uma estratégia mais ampla: Lula não está interessado em brigas pequenas. Seu palco é o mundo, e seu interlocutor, mesmo que indireto, é a principal potência global.
No fim das contas, o artigo é um daqueles movimentos raros que conseguem ser muitas coisas ao mesmo tempo. É uma peça de política externa. Um posicionamento ideológico. Um sinal para o mercado internacional. E, talvez o mais importante, um lembrete de que o Brasil, sob seu comando, pretende voltar a ter uma voz ativa nos grandes debates do planeta. Resta saber se do outro lado vão querer ouvir.