
O Brasil perdeu nesta semana uma das mentes mais brilhantes da geografia crítica. Ariovaldo Umbelino de Oliveira — aquele sujeito que botava o dedo na ferida dos latifúndios e não tinha papas na língua — partiu aos 78 anos. Quem acompanha o debate agrário sabe: era como se um farol se apagasse.
Nascido em 1946, o professor — ou melhor, o "cabuloso das terras roubadas", como alguns alunos o chamavam — dedicou a vida a desvendar os meandros da concentração fundiária. Na USP, onde lecionou por décadas, virou lenda antes mesmo de se aposentar. "Ele não dava aula, ele incendiava consciências", lembra um ex-orientando.
O homem que desmontou mitos
Enquanto muita gente repetia chavões sobre o "vazio demográfico" da Amazônia, Oliveira foi lá e provou: era balela. Seus estudos — aqueles que deixavam ruralistas com os cabelos em pé — revelavam como grileiros forjavam documentos enquanto famílias eram expulsas a bala. "Terra não enche barriga, mas enche bolso de alguns", costumava dizer, com aquela voz rouca de quem fumava ideias junto com os cigarros.
- Autor de 12 livros que viraram bíblias do movimento camponês
- Consultor do Incra em momentos decisivos
- Único geógrafo citado em dezenas de decisões judiciais sobre conflitos agrários
Não foi um acadêmico comum. Quando a bancada ruralista tentou calar suas pesquisas nos anos 2000, ele respondeu com mais dados — e aquele sorriso maroto de quem sabe que a verdade dói. "Se incomodam tanto, é porque estou no caminho certo", disparou numa entrevista que correu o país.
O vazio que fica
Agora, a cadeira vazia no Departamento de Geografia da USP parece gritar. Os alunos — esses que ele chamava de "soldados da ciência crítica" — prometem carregar adiante seu legado. "Ele nos ensinou que números sem coragem são apenas tinta no papel", emociona-se uma pesquisadora do MST.
O velório acontece neste sábado (3), no cemitério da Consolação, em São Paulo. A família pede flores? Não. Que tal doar um livro para alguma biblioteca comunitária no interior? Parece bem mais no estilo do velho Ariovaldo.