
O clima em Brasília anda, digamos, interessante quando o assunto é a taxa de juros. E olha que ninguém esperava a cartada que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deu nesta quinta-feira.
Questionado sobre as duras críticas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito publicamente à política monetária do BC — que ele considera restritiva demais —, Campos Neto não apenas reconheceu o direito do colega de opinar, como ainda soltou uma pérola: "Acho um luxo a delicadeza". Sim, você leu certo.
Numa tacada só, o chefe da autoridade monetária transformou um potencial conflito em algo que parece mais um debate de alto nível. Ele deixou claro que, na sua visão, a existência de um espaço democrático para esse tipo de crítica é, na verdade, um sinal positivo. "É legítimo ele criticar", afirmou, com uma tranquilidade que fez mais de um analista financeiro levantar a sobrancelha.
O pano de fundo de um desacordo que não é briga
Para entender a dimensão disso, é preciso recapitular. Haddad não tem poupado palavras. Ele defende, com unhas e dentes, que os juros altos estão estrangulando o crescimento do país e que já passou da hora de um corte mais agressivo. O BC, por sua vez, tem sido mais cauteloso, mantendo a Selic estável e enfatizando o controle da inflação como prioridade máxima.
O que poderia ser um cabo-de-guerra institucional, no entanto, ganhou um contorno inesperado. Campos Neto, ao invés de rebater no mesmo tom, optou por elevar o nível. A "delicadeza" a que ele se refere parece ser justamente a capacidade de manter o embate no campo das ideias, sem personalismos ou ataques.
É uma jogada e tanto, não é? Enquanto muitos esperavam fagulhas, o que se viu foi um reconhecimento mútuo — ainda que tácito — de que cada um está no seu quadrado, cumprindo seu papel.
E o mercado, como fica nessa história?
Ah, o mercado... sempre de olho. A reação inicial foi de certa surpresa, seguida por uma análise mais cautelosa. O temor de um racha aberto entre a equipe econômica e o BC é algo que tira o sono de qualquer investidor. A fala de Campos Neto, no fim das contas, acalmou os ânimos. Sugere que, por trás das câmeras, o diálogo segue firme.
Não se engane, porém. A divergência de opiniões é real e profunda. Haddad quer estimular a economia a qualquer custo; o BC prioriza a âncora inflacionária. O que muda é o tom. E, no jogo de xadrez da política econômica, o tom é quase tão importante quanto o conteúdo.
Resta saber se essa "delicadeza" será suficiente para navegar os desafios pela frente. A inflação ainda é uma sombra, o crescimento econômico vacila, e a pressão por resultados só aumenta. Será que a cordialidade vai resistir à maré de números e expectativas?
Uma coisa é certa: o episódio de hoje mostrou que, às vezes, a forma de se discordar diz muito mais sobre a saúde das instituições do que o silêncio forçado. E, nesse aspecto, talvez Campos Neto tenha razão. Num país acostumado a bate-bocas, poder criticar com educação é, de fato, um luxo.