
Quatro anos. Parece tanto tempo, mas a dor tem essa mania estranha de congelar o relógio. Mirtes Santana sabe disso como ninguém. A mulher que virou símbolo de resistência no Brasil lembra cada detalhe daquele 2 de junho de 2020 como se fosse ontem — o dia em que perdeu Miguel, seu filho de 5 anos.
Ela poderia ter se perdido no luto. Quem a culparia? Mas fez diferente. Bem diferente.
Quando a Dor Vira Combustível
"A gente tem duas escolhas: ou afunda na tristeza ou transforma a dor em algo que faça sentido". Mirtes me contou isso com uma serenidade que impressiona. E ela escolheu a segunda opção, sabe?
Enquanto muitos ainda estariam paralisados, ela mergulhou nos livros. Fez pós-graduação em Direitos Humanos — parece irônico, não? Estudar justamente o que sentiu faltar no caso do próprio filho. "Precisava entender as ferramentas para lutar", explica com aquela voz mansa que esconde uma força descomunal.
O Peso de Virar Símbolo
Não é fácil carregar essa bandeira. Mirtes virou referência para o movimento negro, uma voz que ecoa bem além do caso pessoal. "Às vezes cansa", admite. "Mas quando recebo mensagens de outras mães dizendo que minha história deu força para elas seguirem, percebo que vale a pena."
E olha que ela não fica só no discurso. A mulher tá na linha de frente, participando de audiências, pressionando por políticas públicas, mostrando que a mudança vem com persistência — e estudo, muito estudo.
Justiça que Tarda, Mas Não Falha?
Quatro anos e o processo ainda corre. Lento, arrastado, como tudo no judiciário brasileiro. Mas Mirtes não perde a esperança. "Acredito na justiça, mas sei que ela vem no tempo dela, não no nosso."
Enquanto espera, ela constrói. Criou o Instituto Mirtes Santana, espaço que oferece desde apoio psicológico até cursos profissionalizantes para mulheres negras. É praticamente um ato de rebeldia contra o sistema: em vez de apenas cobrar, ela está criando as soluções que gostaria de ver no mundo.
O Legado de Miguel
Miguel não está aqui, mas sua memória movimenta mudanças reais. A Lei Miguel Sanches, que estabelece diretrizes para proteção de crianças em condomínios, já é realidade em várias cidades. "É como se ele continuasse vivo através dessas conquistas", reflete Mirtes.
E o que ela diria para outras mães que passam por dor semelhante? "Que a gente não supera, aprende a conviver. E que nossa força vem daquilo que mais amamos — mesmo quando esse amor vira saudade."
Difícil não se emocionar. Difícil não admirar. Mirtes Santana transformou uma tragédia pessoal em luta coletiva, e nesse processo nos lembra do poder transformador da resiliência humana.