
Era uma daquelas notícias que parecia ter congelado no tempo, mas que voltou com força total nesta sexta-feira. Quase três décadas depois, o Brasil finalmente encarou seus fantasmas diante do tribunal internacional. E não foi com meias-palavras.
Num momento carregado de simbolismo, representantes do governo brasileiro subiram à tribuna da Corte Interamericana de Direitos Humanos e disseram o que milhares de famílias esperavam ouvir desde 1996. Pediram desculpas. Formalmente, publicamente, reconhecendo a responsabilidade do Estado na morte de 96 recém-nascidos no município de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio.
O peso das palavras
Não foi um pedido qualquer. A procuradora-geral da República, Ana Lúcia Andrade, deixou claro: o Estado brasileiro assume sua "responsabilidade internacional" pelos fatos. Uma admissão rara, daquelas que doem, mas que são necessárias. A tragédia, segundo ela, resultou de uma combinação fatal de negligência e falhas estruturais no sistema de saúde local.
Imagine só: 96 vidas interrompidas antes mesmo de completarem um ano. A maioria por infecções hospitalares e causas evitáveis. Uma geração quase inteira, perdida por descaso. O que se viu na corte foi o reconhecimento oficial de que o poder público falhou redondamente em proteger seus cidadãos mais vulneráveis.
Uma longa espera por justiça
O caso anda enrolado na Justiça desde que o mundo era outro – sem smartphones, sem redes sociais. Em 2010, a Corte já havia dado razão às famílias, mas o Brasil demorou 15 anos para cumprir integralmente a sentença. Só em agosto deste ano é que o governo finalmente depositou a indenização de R$ 7,5 milhões devida aos parentes das vítimas.
E sabe o que é mais revoltante? Muitas das medidas determinadas pela corte para melhorar o sistema de saúde na região ainda não saíram do papel. A promessa de um hospital municipal em Cabo Frio, por exemplo, continua sendo só isso: uma promessa.
O que muda agora?
Além do valor indenizatório – que obviamente não traz ninguém de volta –, o Estado se comprometeu a criar um programa permanente de capacitação para profissionais de saúde e um memorial em homenagem às vítimas. Medidas importantes, sem dúvida, mas que soam como o mínimo do mínimo depois de tanto tempo.
O pedido de desculpas na corte internacional é, acima de tudo, um reconhecimento histórico. Um raro momento em que o Estado baixa a guarda e assume seus erros perante o mundo. Resta saber se essa virada de página trará, de fato, mudanças concretas para evitar que tragédias assim se repitam.
Porque no fim das contas, nenhuma desculpa – por mais sincera que seja – vale mais do que uma vida poupada.