
Não foi um evento comum. Na tarde de terça-feira (22), o teatro lotado em Aracaju vibrava com aplausos que ecoavam como trovões - cada um contando histórias silenciadas por séculos. Quinze guerreiras contemporâneas subiram ao palco não para receber um troféu, mas para devolver à sociedade o reconhecimento que sempre lhes foi negado.
O Prêmio Dandara, batizado em homenagem à lendária quilombola, iluminou trajetórias que transformam realidades. Das mestras de capoeira que preservam tradições aos coletivos periféricos que reinventam a política local. "Isso aqui não é sobre nós", disparou uma das homenageadas, a educadora Maria dos Santos, "é sobre quantas meninas pretas vão se enxergar nestes espelhos que estamos construindo".
Os números por trás das histórias
Dados do último censo mostram que Sergipe possui a segunda maior população negra do Nordeste - 73,5% se autodeclaram pretos ou pardos. Mas os holofotes raramente encontram essas mulheres que:
- Coordenam 68% dos projetos culturais comunitários
- Lideram 43% das iniciativas de segurança alimentar
- São responsáveis por 9 em cada 10 ações de preservação de tradições afro
"A gente costuma dizer que segura as pontas", brincou a artesã Luana Andrade enquanto ajustava seu turbante no palco, "mas na verdade estamos tecendo redes inteiras com essas mãos".
O que faz um reconhecimento verdadeiro?
Mais que cerimônia, o evento criou rodas de conversa onde políticas públicas foram desenhadas em tempo real. Secretários municipais anotavam sugestões enquanto as homenageadas - muitas delas sem ensino superior completo - ditavam lições de gestão comunitária que desafiam manuais acadêmicos.
Três elementos marcaram a premiação:
- Memória viva: cada premiada indicou sua sucessora para edições futuras
- Eco real: projetos terão acompanhamento por um ano
- Legado concreto: bolsas de estudo para jovens indicadas pelas vencedoras
No final, quando as luzes se acenderam, ficou claro que aquela não era uma noite sobre conquistas individuais. Era, sim, um farol aceso - desses que não se apagam quando a festa termina.