
Num cantão da Amazônia onde o verde se confunde com o horizonte, uma voz ecoa diferente. Não é o canto dos pássaros, nem o farfalhar das folhas. É Marlúcia Martins, mulher, negra, cientista — uma combinação ainda rara nos círculos acadêmicos brasileiros.
"Fazer ciência aqui não é só coletar dados", diz ela, enquanto ajusta os óculos embaçados pelo calor úmido. "É um ato político." E como é! Seu laboratório? A própria floresta. Sua metodologia? Ouvir tanto os instrumentos de precisão quanto os saberes tradicionais.
Raízes que sustentam asas
Nascida em Belém, Marlúcia poderia ter seguido o caminho mais fácil — migrar para algum centro de pesquisa no Sudeste. Preferiu ficar. "A Amazônia precisa de cérebros que a entendam de dentro pra fora", explica, enquanto mostra um caderno de anotações cheio de rabiscos que só ela decifra.
Seu trabalho? Revolucionário. Mistura:
- Análises de solo com histórias de ribeirinhos
- Dados científicos com lendas locais
- Tecnologia de ponta com sabedorias ancestrais
O preço da cor e do gênero
Não foi fácil. "Já me confundiram com a faxineira em congressos", conta, rindo sem graça. "Mas hoje uso minha voz como ferramenta." E como usa! Seus artigos acadêmicos têm um tom diferente — menos técnico, mais humano.
Num ramo ainda dominado por homens brancos, ela criou seu próprio espaço. Literalmente. Coordena um grupo de pesquisa onde 70% são mulheres, muitas negras como ela. "Não se trata de segregação", explica. "Mas de mostrar que lugar de cientista é onde a gente quiser."
A floresta como megafone
Seu método é tão inovador quanto polêmico. Enquanto colegas medem carbono, ela mede impactos sociais. "O que adianta salvar árvores se não salvarmos pessoas?", questiona, apontando para comunidades tradicionais.
Seus críticos dizem que "mistura política com ciência". Ela rebate: "Toda ciência é política. Só que alguns têm o privilégio de fingir que não é."
Neste momento, enquanto você lê isso, Marlúcia provavelmente está aí, no meio do mato, desafiando estereótipos. De jaleco e botas de borracha. Fazendo da Amazônia não só objeto de estudo, mas lugar de fala. E que fala!