Entregador baleado por agente penitenciário no Rio vive drama e incerteza sobre futuro profissional
Entregador baleado no Rio tem futuro profissional incerto

Era pra ser mais um dia normal de entregas. O sol castigava as ruas do Complexo do Alemão naquela terça-feira, mas João — nome fictício que usaremos para proteger sua identidade — seguia na correria característica de quem depende de cada entrega para colocar comida na mesa. De repente, o inesperado: um tiro disparado por um agente penitenciário durante uma operação de reintegração de posse atingiu sua perna direita. A vida mudou num piscar de olhos.

— Eu não esperava por aquilo, jamais — relembra o entregador, ainda visivelmente abalado. — Um segundo eu tava na moto, no outro estava no chão, com uma dor excruciante e sem entender muito bem o que havia acontecido.

O caso, que aconteceu no último dia 27, expõe mais uma faceta da violência urbana que assola comunidades do Rio. Segundo relatos, o agente responsável pelo disparo acabou preso — acusado de homicídio tentado —, mas isso pouco alivia o drama vivido por João.

Além do ferimento físico, o trauma

A bala não escolheu caminho fácil. Além de fraturar o fêmur, danificou nervos importantes. Os médicos foram diretos: a recuperação será lenta e cheia de incógnitas. E a pergunta que não cala — quando vou poder voltar a trabalhar? — ecoa na cabeça do jovem sem resposta.

— Eles não conseguem me dar um prazo. Dizem que depende da evolução, da fisioterapia… Mas e até lá? Como faço para me sustentar? — desabafa.

João mora sozinho. Sem família próxima no Rio, depende exclusivamente do seu trabalho como entregador por aplicativo. Sem renda, sequer tem como pagar o aluguel do mês que vem. A situação é desesperadora.

O que dizem as autoridades?

A Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) confirmou o incidente e informou que o agente envolvido foi removido do cargo e está à disposição da Justiça. Em nota, disseram que «apurasse o caso com rigor» e que «prestam total assistência à vítima» — algo que João, até agora, desconhece na prática.

— Ninguém me procurou, não ofereceram ajuda, nada — desmente ele, com frustração evidente na voz.

Do outro lado, a Defensoria Pública entrou com um pedido de indenização por danos morais e materiais. Mas processos judiciais no Brasil demoram — e João precisa comer hoje.

O medo que ficou

Além da dor e da incerteza financeira, ficou o medo. Medo de voltar para a rua, medo de ouvir um barulho mais alto, medo de passar perto de operações policiais. O trauma psicológico, muitas vezes negligenciado em casos assim, é profundo.

— Às vezes fecho os olhos e ainda sinto aquele estampido. Acordo suando — confessa.

Enquanto isso, sua moto — instrumento de trabalho e sonho — permanece parada na oficina. Consertá-la custa caro, outro problema para um futuro que, hoje, parece turvo e distante.

João resume sua sina com uma frase que cala fundo: «Trabalhava honestamente, não devia nada a ninguém. Agora, estou aqui, dependendo dos outros para tudo. É difícil não perder a esperança.»