
Não é só um hematoma que some em algumas semanas. A violência contra mulheres deixa cicatrizes que não aparecem no raio-X — e pior, muitas vezes são ignoradas até por quem as carrega. Você já parou pra pensar no que rola depois que a câmera desliga e a notícia vira só mais um número?
Mulheres que sobrevivem a agressões enfrentam um labirinto de consequências. Algumas óbvias, outras tão sutis que até a vítima demora a perceber. A psicóloga Ana Lúcia Mendes, que atende casos há 15 anos, diz que "é como se o corpo continuasse em alerta máximo mesmo quando o perigo já passou". O sistema nervoso vira refém do medo.
O preço que o corpo paga
Dores crônicas? Comuns. Distúrbios do sono? Quase regra. E tem mais:
- Problemas gástricos que aparecem do nada
- Queda de cabelo acentuada (e não, não é só 'estresse')
- Memória que falha nos detalhes mais simples
E o pior — muitas acham que é "frescura" até descobrirem a conexão com o trauma. A médica Fernanda Costa conta que já viu pacientes com dores inexplicáveis por anos até fazerem a ligação com violências sofridas décadas antes.
Na mente, a guerra continua
Se o corpo sofre, a mente vira campo minado. Desconfiança que vira paranoia, autoestima que some sem deixar rastro, pesadelos que repetem o horror em loop. E tem a tal da "culpa da sobrevivente" — aquela voz que insiste: "será que eu provoquei?"
O paradoxo? Justo quando mais precisam de apoio, muitas se isolam. Vergonha, medo de julgamento ou simplesmente cansaço de explicar o inexplicável. A assistente social Rita Oliveira fala que "reconstruir a autoconfiança é como juntar cacos de espelho no escuro".
E o cotidiano vira obstáculo
Imagine:
- Desviar de qualquer discussão no trabalho pra não "provocar"
- Travar ao ouvir passos acelerados atrás de você
- Cancelar planos porque hoje o mundo parece grande demais
Pequenas coisas que viram montanhas. E ninguém vê. A advogada Carla Dias lembra que muitas perdem empregos sem que o chefe entenda o motivo — elas mesmas não conseguem explicar.
Mas tem luz no fim do túnel? Tem. Com apoio certo e tempo (muito tempo), o cérebro reaprende a sentir segurança. Só não é linear — alguns dias são dois passos pra frente e três pra trás. E tá tudo bem.
O recado que fica? Violência não acaba quando termina a agressão. Ela ecoa. E a sociedade precisa acordar pra essa realidade que muitas carregam em silêncio.