
Quase não se acredita. Mais de sessenta dias se passaram desde aquele julho que mudou tudo, mas eis que a pequena guerreira do sertão finalmente volta para casa. O caso, que arrepiou até os mais durões da região, aconteceu no sítio Lages, lá no município de São José de Princesa – um daqueles lugares onde todo mundo se conhece e uma notícia ruim corre que nem vento no canavial.
E foi justamente num ambiente doméstico, desses que a gente imagina ser o mais seguro do mundo, que o impensável aconteceu. O pai da criança, um agricultor de 31 anos, manuseava uma arma – um trezinho de nada, coisa de momento – quando o estampido ecoou pela casa. Um acidente. Aquele tipo de coisa que a gente só acredita quando vê no jornal, mas que acontece num piscar de olhos, sem aviso, sem piedade.
A bala, sabe Deus como, atingiu a menina de apenas um ano e dez meses. O desespero tomou conta da família num instante. Como salvar uma vida tão frágil no meio daquele sertão distante? A sorte – se é que podemos chamar assim – é que o Corpo de Bombeiros agiu rápido. Muito rápido. Eles foram acionados e, num daqueles gestos de heroísmo cotidiano que nem sempre viram manchete, socorreram a pequena.
A corrida contra o tempo foi dramática. Primeiro, para o Hospital de Trauma de Patos, mas o caso era grave. Muito grave. A bebê precisava de mais que o hospital municipal poderia oferecer. Foi quando entraram em cena os bombeiros militares, que não mediram esforços e fizeram o transporte aeromédio até o maior centro de trauma da região: o Hospital de Trauma de Campina Grande.
E assim começou uma vigília que durou… bem, durou uma eternidade. Dois meses e meio são muito tempo para qualquer um. Para uma criança tão novinha, então? Cada dia devia parecer uma vida inteira. Os médicos e enfermeiros viraram anjos da guarda de plantão, virando noites, acompanhando cada suspiro, cada melhora mínima.
O Milagre da Recuperação
Ninguém soltou o ponto final dessa história. A família, é claro, ficou destroçada. O pai, em particular, deve ter revirado cada segundo daquele dia na cabeça mil vezes. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar as circunstâncias do ocorrido – afinal, acidente com arma de fogo é coisa séria, ainda mais envolvendo uma criança.
Mas eis que, contra todas as expectativas – porque o sertanejo é antes de tudo um poço de resistência – a menina começou a responder ao tratamento. Devagar, quase sem jeito, mas foi. A lesão era grave, sim, mas não foi suficiente para apagar a luzinha daquela vida.
E então, nesta segunda-feira (15), veio a notícia que todos esperavam há tanto tempo: a alta hospitalar. Finalmente. A bebê deixou o Hospital de Trauma de Campina Grande, rumo à sua casa, à sua família, à sua vida.
Não foi um caminho fácil. Longe disso. Foram cirurgias, medicamentos, noites em claro, medo, esperança, dúvida. Uma montanha-russa emocional que nenhuma família deveria passar.
E Agora?
A vida segue, como sempre segue. A menina ainda vai precisar de acompanhamento médico – essas coisas deixam marcas, tanto físicas quanto emocionais. Mas ela está viva. E isso, num mundo tão cheio de notícias ruins, é uma vitória que vale ser comemorada.
O caso serve de alerta, é claro. Arma de fogo não é brinquedo, e acidentes acontecem quando menos se espera. Mas também serve de testemunho: testemunho da resiliência humana, da competência dos profissionais de saúde do SUS, e da força de uma criança que, contra todas as probabilidades, decidiu ficar.
O sertão é duro, mas sua gente é mais dura ainda. E essa pequena guerreira é a prova viva disso.