
Quinze anos se passaram, mas o coração de Sônia Moura ainda sangra como se fosse ontem. Nesta quarta, ela finalmente segurou nas mãos os últimos vestígios palpáveis da filha — uma escova de cabelo, algumas fotos, documentos. Coisas simples que, pra qualquer um, seriam só objetos. Pra ela, são fragmentos de uma vida interrompida brutalmente.
"Parece que o tempo congelou em 2010", diz Sônia, com a voz embargada. "Quando abri a caixa, senti o cheiro dela. Foi como um soco no estômago."
O peso dos detalhes
Os itens — que incluíam até recibos de aluguel — ficaram esquecidos num depósito da polícia no Rio. Só agora, após uma verdadeira via-crúcis burocrática, foram liberados. "Foram 15 anos cobrando, chorando, implorando", conta a mãe, enquanto arruma com cuidado extremo cada objeto numa estante improvisada.
E detalhe: tudo veio sem aviso prévio. Um funcionário apareceu na porta dela com uma caixa de papelão amarrada com barbante — dessas que a gente usa pra guardar livros velhos. Dentro, o passado em pedaços.
A justiça que não cicatriza
Pra quem não lembra (ou tentou esquecer), Eliza sumiu em 2010 grávida do goleiro Bruno Fernandes. O caso virou pesadelo nacional — corpo esquartejado, confissões bizarras, um julgamento que parecia roteiro de filme B.
"As pessoas falam em 'virar a página'", dispara Sônia, com um riso amargo. "Que página? O livro todo tá manchado de sangue." Ela conta que ainda sonha com a filha — sempre aos 25 anos, sempre sorrindo. "Acordo e por um segundo esqueço. Depois..." A voz some no ar.
E olha que ironia: enquanto os pertences voltavam, Bruno — condenado a 22 anos — já até saiu da cadeia. Saiu por aí fazendo gol, comemorando. A vida seguindo, como sempre segue pros outros.
O que sobra
Na sala modesta de Sônia, uma estante virou santuário. Tem foto de Eliza criança, de formatura, daquela última festa. "Agora vou ter mais coisa pra colocar", diz, passando o dedo na poeira invisível da moldura.
Ela não usa a palavra "superação". Detesta quando falam em "fechar ciclos". Prefere dizer que aprendeu a carregar o peso — como aqueles carregadores de pedra que a gente vê em construção. Um dia após o outro, passo a passo, sem nunca realmente descansar.
"Às vezes", confessa num sussurro, "pego a escova dela e passo no meu cabelo. Só pra sentir que..." A frase fica suspensa, mas todo brasileiro que acompanhou esse caso entende o que não foi dito.