
Imagine acordar todos os dias com o som das ondas — não de um aplicativo de meditação, mas do oceano de verdade batendo nas pedras a três metros da sua cama improvisada. Foi assim meu cotidiano durante doze meses que mudaram minha cabeça. E olha que eu nem sou do tipo aventureiro — fui pra essa ilha perdida no litoral brasileiro mais por acaso do que por planejamento.
O começo do exílio voluntário
Tudo começou com uma herança inesperada: um terreno minúsculo numa ilhota que nem consta no Google Maps. "Vai ser uma aventura de fim de semana", eu pensei, ingenuamente. Levei ração suficiente para o Zeca, meu gato sardento, e algumas latas de atum pra mim. Mal sabia eu que uma tempestade iria destruir o barco que me deixou lá, adiando meu resgate em... bem, 360 dias.
As lições que o desespero ensina
Nos primeiros dias, foi pânico puro. Mas a natureza tem dessas coisas — ou você se adapta ou vira estatística. Aprendi na marra:
- Que coco não cai da árvore no horário comercial (quase levei uma bolada na cabeça às 3h da manhã)
- Que gato é caçador nato (o Zeca me trouxe peixes quando minhas tentativas de pesca falhavam miseravelmente)
- Que solidão e solitude são vizinhas, mas moram em casas completamente diferentes
O mais curioso? Depois do terceiro mês, comecei a desenvolver rituais esquisitos. Cantar para as gaivotas (que me ignoravam), dar nomes às palmeiras, ter longas conversas filosóficas com o Zeca — que respondia com miados no tom exato para eu achar que ele estava mesmo entendendo.
A tecnologia mais avançada: um canivete enferrujado
Numa época onde falamos de inteligência artificial e realidade virtual, minha maior conquista foi descobrir como fazer fogo com dois gravetos e um punhado de paciência. Meu smartphone? Virou espelho improvisado depois que a bateria morreu no dia 2.
E sabe o que é mais irônico? Justo quando me adaptei à vida sem wi-fi, sem notificações, sem nada — e comecei a curtir de verdade o silêncio — apareceu um barco de pescadores no horizonte. A volta à civilização foi... complicada. Até hoje me peigo olhando para tomadas como se fossem artefatos alienígenas.
O que ficou
Se tem uma coisa que essa experiência me ensinou é que a gente carrega ilhas dentro de si — algumas desertas, outras superpovoadas de preocupações inúteis. E que às vezes, tudo que você precisa é de um gato te olhando com cara de "eu avisei" para colocar os pés no chão de novo.