
O cheiro de queimado ainda paira no ar quando a maré baixa revela o que restou: pilhas de madeira carbonizada, panelas retorcidas e fotos de família reduzidas a cinzas. Na maior favela sobre palafitas do país, em Santos, o fogo não poupou nada — nem memórias, nem esperanças.
"Acordei com gente gritando 'fogo!' e em 15 minutos tava tudo perdido", conta Maria das Dores, 58 anos, enquanto revira o que seria sua cozinha. A aposentada perdeu até os remédios para pressão alta — agora guardados num saco plástico emprestado.
O inferno sobre as águas
Por volta das 3h da madrugada, as chamas encontraram combustível perfeito: estruturas de madeira seca, galões de gás e aquele vento insistente da baía. Bombeiros levaram horas para controlar o caos, com o agravante de acessos estreitos e a maré cheia.
- 87 famílias desabrigadas
- Nenhuma morte registrada (milagre, considerando a densidade)
- 3 barracos intactos — ironicamente, os mais precários
João Batista, pescador há 40 anos, mostra o que salvou: uma rede rasgada e o retrato molhado do santo protetor. "O mar sempre foi meu inimigo, mas hoje trouxe água pra apagar as chamas", filosofa, com aquele jeito cansado de quem já viu demais.
Responsabilidade? Todo mundo joga a batata quente
Enquanto isso, o pingue-pongue político:
- Prefeitura culpa falta de verba federal
- Governo estadual fala em "reassentamento a longo prazo" (já ouvimos isso antes)
- Defesa Civil distribui colchões — únicos, pra casais
Na rua da lama — literalmente —, dona Cleide improvisa um fogão com tijolos e reclama: "Cadê aqueles políticos que aparecem em ano eleitoral? Tá na hora de cobrar!"
PS: A comunidade recebe doações na igreja Nossa Senhora dos Náufragos — roupas e alimentos não perecíveis são prioridade. E sim, o inverno chegou pra complicar ainda mais.