Unesco cria 1º marco ético global para neurotecnologia e proteção mental
Unesco estabelece marco ético para neurotecnologia

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) deu um passo histórico ao estabelecer o primeiro marco ético global para regulamentar o uso da neurotecnologia. A decisão foi tomada por aclamação durante reunião realizada no final de outubro em Samarcanda, no Uzbequistão, e entrou em vigor no dia 12 de novembro.

Proteção para a próxima fronteira humana

O novo marco estabelece salvaguardas essenciais para proteger os direitos humanos e a inviolabilidade da mente, respondendo ao rápido avanço de tecnologias capazes de interagir diretamente com o sistema nervoso. A neurotecnologia engloba ferramentas para medir, modular e estimular o sistema nervoso, setor que registrou um aumento impressionante de 700% nos investimentos empresariais entre 2014 e 2021.

Embora a tecnologia traga benefícios promissores, especialmente na área médica - como alívio dos sintomas de Parkinson e comunicação via interfaces cérebro-computador para pessoas com deficiência -, seu uso em áreas não médicas permanecia amplamente desregulamentado até agora.

Dados neuronais como informação sensível

Um dos aspectos mais significativos da recomendação da Unesco é o tratamento dado aos dados neuronais. O documento estabelece que os dados neuronais são considerados dados pessoais e sensíveis, necessitando de proteção jurídica especial e mais robusta.

Segundo Lidia Brito, diretora-geral adjunta de Ciências Naturais da Unesco, "este tipo de dados necessita de uma proteção jurídica especial e mais forte porque realmente tem a ver com o funcionamento do nosso cérebro". O marco também inclui na mesma categoria de dados sensíveis aqueles que permitem inferir emoções, níveis de atenção e outros estados mentais.

Transparência e consentimento fundamentais

Muitos consumidores já utilizam neurotecnologia sem perceber, através de dispositivos comuns como smartwatches ou fones conectados que monitoram estresse ou sono. Estes dispositivos coletam dados que podem revelar pensamentos e emoções, com risco de serem compartilhados sem consentimento adequado.

Para garantir privacidade e confiança, a Recomendação exige que seja assegurado o consentimento prévio, livre e esclarecido em qualquer domínio de aplicação. No âmbito comercial, o documento apela aos governos para que garantam leis robustas de proteção do consumidor, incluindo rotulagem clara em produtos comerciais de neurotecnologia.

Proteção para grupos vulneráveis e trabalhadores

A recomendação dedica atenção especial à proteção de populações vulneráveis. Para crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento, o marco desaconselha o uso de neurotecnologia para fins não terapêuticos. Também exige atenção especial a pessoas com deficiências, problemas de saúde mental e idosos.

No ambiente de trabalho, o documento alerta contra o uso da neurotecnologia para monitorar produtividade ou criar perfis de dados dos empregados. Os empregadores deverão fornecer informações abrangentes e transparentes aos trabalhadores sobre o funcionamento da tecnologia utilizada, os dados recolhidos e como são utilizados.

O marco reforça o princípio do consentimento prévio no local de trabalho, garantindo que os trabalhadores possam recusar a utilização de dados que lhes digam respeito pessoalmente.

Implementação e conscientização pública

O trabalho da Unesco não se limita aos governos, mas inclui uma parceria fundamental com o setor privado. A organização planeja seguir o modelo da ética da Inteligência Artificial, trabalhando com empresas para garantir que os princípios éticos sejam integrados em todo o ciclo de desenvolvimento da tecnologia.

Além da regulamentação, a Unesco planeja um esforço massivo de conscientização pública. Como explicou Lídia Brito, "nós também queremos fazer uma grande campanha de conhecimento do cidadão, da sociedade, do que são estas tecnologias, o que elas podem trazer e como o consumidor ou o utilizador pode ir buscar informação".

A meta final é garantir que a inovação seja desenvolvida sobre bases éticas sólidas, permitindo que a humanidade se beneficie de avanços importantes na medicina e outras áreas, sem comprometer a privacidade mental e os direitos humanos fundamentais.