
Pois é, a gente sempre ouve falar da importância de ser doador, mas na hora H, o que realmente pesa na decisão das famílias? Em Sorocaba, a situação é um verdadeiro paradoxo. De um lado, a cidade é um exemplo no estado de São Paulo, com números de captação de órgãos que deixariam qualquer centro médico com inveja. Só neste ano, foram 31 doadores multiorgânicos – um ritmo impressionante.
Mas segura aí que a história tem seu lado amargo. A taxa de recusa familiar na região metropolitana de Sorocaba beira os 40%. Quase metade das vezes, quando a equipe médica aborda os familiares num momento de dor indescritível, a resposta é um 'não'. E olha que não é por falta de informação ou estrutura.
O que explica esse 'não'?
Conversando com especialistas, a coisa fica mais clara. E mais complexa também. Não é uma questão única, mas um emaranhado de fatores. Primeiro, existe aquela dúvida cruel: "será que ele/a realmente quis dizer que era doador?" Muita gente não deixa essa conversa explícita em vida, e aí a família, fragilizada, hesita. Outro ponto é a desconfiança – um fantasma que ronda o sistema de saúde –, o medo de que algo possa ser acelerado indevidamente. Bobagem, claro, mas o coração naquele momento não raciocina como a lógica.
E tem mais um detalhe, meio surpreendente: a própria eficiência de Sorocaba acaba criando uma demanda reprimida. Com uma lista de espera que, só para rim, tem mais de 230 nomes na macrorregião, cada recusa significa que alguém continua esperando. E esperando. Às vezes, até que seja tarde demais.
O outro lado da moeda: quando o 'sim' acontece
Mas nem tudo são sombras. Quando a família consegue enxergar além da própria dor e autoriza a doação, o resultado é uma corrente de vida. Um único doador pode salvar ou transformar radicalmente a existência de até oito pessoas. É rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas, córneas... É uma segunda chance que brota de uma tragédia.
E sabe qual é a chave para mudar esse jogo? A tal da "conversa de mesa de jantar". Pode parecer besteira, mas é isso mesmo. Quando a pessoa deixa claro, em vida, para todo mundo próximo, o seu desejo de ser doador, o peso da decisão dos familiares fica infinitamente mais leve. Eles não estão "adivinhando" o que você gostaria; estão cumprindo uma vontade conhecida. É um ato de amor que começa muito antes de qualquer fatalidade.
Enquanto isso, as equipes hospitalares seguem na linha de frente, tentando equilibrar a delicadeza do luto com a urgência de uma janela de oportunidade que se fecha rapidamente. Uma dança delicadíssima, onde um 'sim' pode ecoar por muitas vidas.