
Imagine pegar uma voadeira por rios cheios de piranhas, dormir em redes sob tempestades tropicais e enfrentar dias de viagem só para dar uma chance de vida às suas filhas. Foi exatamente isso que fez Maria* — uma guerreira de 32 anos que cruzou a Amazônia como se fosse uma epopeia moderna.
Suas gêmeas, Lara e Lia*, nasceram unidas pelo abdômen — um caso raro que exigia cirurgia especializada. Na pequena comunidade ribeirinha onde vivem, nem eletricidade direito tem, quem dirá hospital de alta complexidade.
A jornada que parecia impossível
Três barcos, dois ônibus e um avião de carreira. Dois meses de espera num albergue em Manaus. Tudo isso enquanto amamentava as bebês e implorava por vagas no SUS. "Às vezes eu chorava escondida, mas na frente delas só mostrava força", conta Maria, esfregando as mãos calejadas.
O pior momento? Quando uma infecção respiratória quase fez adiarem a cirurgia. "Parecia que o universo conspirava contra nós", lembra, arregalando os olhos como quem revive o desespero.
O milagre da medicina
Na sala de cirurgia do Hospital Infantil Dr. Fábio Souto, em Salvador, 12 médicos trabalharam por 18 horas seguidas. Uma coreografia de precisão para separar fígados, músculos e até um pedacinho de coração compartilhado.
"Foi como desembaraçar dois fios de ouro entrelaçados", descreve o cirurgião-chefe, Dr. Renato Vilela, ainda impressionado com a complexidade do caso.
Hoje, com 1 ano e 3 meses, as meninas já brincam separadas — cada uma no seu berço. Lara adora morder os pés da irmã (agora à distância segura), enquanto Lia fica horas observando formigas no chão do apartamento cedido por uma ONG.
"Se precisasse, faria tudo de novo. Até nadaria o rio Negro se fosse preciso", diz Maria, abraçando as filhas com aquele jeito desengonçado de quem não tem prática em abraçar duas crianças ao mesmo tempo — mas que está aprendendo rápido.