
Quem vê Arlindo Cruz no palco, mesmo hoje, dificilmente imagina o calvário silencioso por trás do sorriso. O mestre do samba — aquele mesmo que embalou gerações com "O Bêbado e a Equilibrista" — carrega nas costas uma história de resistência que poucos conhecem. E olha que não tô falando de problemas com gravadora, viu?
Foi em 2017 que o baixista leva um golpe duro: um AVC (Acidente Vascular Cerebral) que deixou sequelas capazes de derrubar qualquer um. Mas sambista é feito de outra matéria. "Ainda bem que minha cabeça tá boa", ele soltou numa daquelas frases que misturam alívio e ironia, típica de quem já rodou muito no terreiro da vida.
O dia que o mundo girou ao contrário
Naquele abril de 2017, tudo mudou. De repente — sem aviso, sem pedir licença — o corpo que antes dançava no compasso do pandeiro simplesmente... travou. "Parecia que alguém tinha puxado o tapete", contou depois, com aquela voz rouca que a gente conhece. Os médicos foram diretos: "Tem que reaprender tudo". E não era exagero.
- Fala: sumiu feito miragem no deserto
- Movimentos: travados como portão enferrujado
- Música: a maior dor — ficou meses sem conseguir tocar
Nessa hora, quem salvou foi a família. A mulher, Dona Célia, virou "general" da recuperação. Os filhos, soldados fiéis. E o samba? Ah, o samba ficou esperando no pé da escada, como velho amigo que sabe a hora certa de voltar.
A Volta por Cima que Virou Samba
Dois anos depois do baque, em 2019, o impossível aconteceu. Arlindo subiu no palco do Prêmio da Música Brasileira — de baixo do braço, só a coragem e um violão. Quando começou a tocar "Meu Lugar", até os seguranças choraram. "Foi como nascer de novo", confessou depois, com aquela risada que esconde lágrima.
Hoje, sete anos depois da tempestade, o mar ainda tá meio bravo. A mão esquerda — aquela que fazia mágica no braço do violão — não obedece mais como antes. "Mas eu enganei ela", diz com malícia, mostrando os novos jeitos que inventou pra tocar. É ou não é o retrato da criatividade brasileira?
Entre uma fisioterapia e outra, ele ainda solta pérolas:
"Samba e saúde são igual feijoada — tem que ter cuidado no preparo, mas o tempero tá na alma."
O Legado que Não Para
Enquanto isso, a vida segue no ritmo do partido-alto. Se antes eram 30 shows por mês, hoje são menos — mas cada um vale por dez. "Tô fazendo é seleção natural", brinca, referindo-se aos eventos que realmente importam.
E pra quem pensa que o AVC apagou sua luz, engana-se. Em 2023, lançou "Herdeiro da Casa de Jongo", disco aclamado que prova: talento não se aposenta. "A doença levou um pedaço de mim, mas deixou o essencial", filosofa, entre um gole de café e outro de sabedoria.
No fim das contas, Arlindo Cruz virou símbolo sem querer. Símbolo da resiliência do sambista, da arte que cura, da fé que move montanhas. E o melhor? Continua fazendo história — uma nota de cada vez.