Planner físico: como a busca por organização offline cresce 10x no fim do ano
Busca por planners físicos dispara 10x no fim do ano

A publicitária Gabriela Brito, de 27 anos, tomou uma decisão que vai na contramão da digitalização: ela quer ficar cada vez mais "off" das telas. Para isso, abandonou plataformas digitais de organização como Notion e Trello, que usava há cerca de três anos, e adotou um planner físico, uma agenda que permite visualizar a semana, o mês e o ano em páginas separadas.

Para Gabriela, a escrita manual se tornou uma forma de recuperar processos criativos e organizacionais que sentia limitados no ambiente digital. "Eu sinto que isso está limitando minha criatividade, de certa forma, e eu estou perdendo o hábito de escrever", comenta ela, exemplificando um movimento que ganha força especialmente com a virada do ano.

Vendas disparam e revelam novo comportamento

O fim do ano é, de fato, o período de maior aquecimento para o mercado de planners, agendas e calendários físicos. Na Shop Figlia, marca fundada pela publicitária Marina Mie Murakoshi, 23, o planner é o carro-chefe e concentra um pico de vendas nessa época, já que a empresa trabalha apenas com versões datadas.

O sucesso é estrondoso: no lançamento mais recente, as vendas registradas nos primeiros 12 minutos praticamente igualaram metade do volume de todo o ano anterior. Ao final da primeira hora, o total já havia batido o resultado do lançamento do ano passado.

Marina observa que o planner físico é buscado não apenas como ferramenta de organização, mas como um espaço de pausa na rotina acelerada. Seu público demonstra interesse em um planejamento sem rigidez excessiva, com foco em equilíbrio e bem-estar. "As pessoas buscam cada vez mais praticidade, com ferramentas que permitirão encontrar clareza sobre si, que possam acolher a rotina delas, e trazer equilíbrio do planejamento sem qualquer produtividade tóxica", afirma a fundadora.

Fenômeno se repete no varejo especializado

A tendência se confirma em outras papelarias. Na Organizando a Vida, os meses de dezembro e janeiro concentram a principal temporada. A fundadora Deise Santos, 28, afirma que o faturamento da loja cresce entre 30% e 60% nesse período, impulsionado principalmente por planners anuais e agendas datadas. O aumento nas buscas começa ainda na segunda quinzena de outubro e se mantém alto até o início do ano seguinte.

Já na Paperview, especializada em planners físicos, o fim do ano também registra uma procura consistente por produtos de auto-organização. Para a fundadora Angela Bufarah, 55, o planner ocupa um espaço complementar, e não concorrente, das ferramentas digitais. "As novas tecnologias não competem com o planner físico, elas caminham juntas. Aplicativos e agendas digitais são ótimos para alertas e compromissos, mas o planner em papel é o espaço da pausa, da escrita à mão, da reflexão", analisa.

Planner como ferramenta de autocuidado e controle

O uso do planner físico está intimamente associado a conceitos de autocuidado e saúde mental. A terapeuta ocupacional Lívia Lilla Delduque, 24, afirma que o papel a ajuda a organizar prioridades e hábitos. "Consigo ampliar minhas atividades de autocuidado e a manter hábitos mais saudáveis", relata.

Para outros usuários, o objeto também proporciona sentimentos de controle e concretude. A engenheira civil Caroline de Jesus Rodrigues, 24, fez a transição da agenda digital para o papel há cerca de três anos. "Dá uma sensação de profissionalismo anotar todas as suas metas e depois ticar o que você fez", diz.

A servidora pública federal Camille Ghedin Haliski, 46, utiliza ferramentas digitais no trabalho, mas mantém o planner físico como referência pessoal. "Para os assuntos realmente importantes para mim, uso o planner físico", destaca. A estudante de direito e professora de inglês Mayara Gisele Simões Araújo, 22, também adota um sistema híbrido: pretende seguir com o Google Calendar para compromissos diários, mas recorre ao planner para uma visão mais ampla de metas e prioridades. "É um investimento grande, mas vai me ajudar muito", avalia.

Nas papelarias consultadas, os preços dos planners variavam de R$ 96 a R$ 329, variando conforme tamanho, número de divisões, nível de personalização e materiais para decoração.

Livrarias ampliam oferta e vendas multiplicam-se

O interesse por produtos físicos de organização chegou com força também às livrarias. Segundo Alexandre Martins Fontes, presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias), as vendas de agendas, calendários e planners crescem de forma acentuada no último trimestre.

"Em outubro a gente vende três vezes mais do que a média que a gente vende de janeiro a setembro. Em novembro, cinco vezes mais. Em dezembro, dez vezes mais", revela. Para ele, os números mostram que, apesar da consolidação das agendas digitais, o papel mantém sua relevância no consumo cultural. "As pessoas continuam comprando planners, agendas e calendários físicos", afirma.

A rede Martins Fontes passou a investir em materiais de papelaria nos últimos cinco anos, diversificando seu modelo de negócio. "Durante muito tempo, a gente só vendia livro. Hoje a livraria não é mais do que simplesmente um lugar onde você vai comprar um livro. É um lugar onde você encontra as pessoas, vai tomar um café", explica Fontes. A aposta, segundo ele, só se sustenta porque há demanda. "Se não tivesse mercado, nós não estaríamos aqui mostrando esses números para você."

Pensando nessa tendência, além de agendas e cadernos, a rede estuda ampliar a oferta de outros itens analógicos. "Eu estou, para o ano que vem, fazendo um projeto de começar a vender um pouco de vinil também", adianta o empresário, confirmando o valor crescente do tangível em um mundo cada vez mais digital.