Sergipe se despede do historiador Paulo Nascimento: um legado de paixão pela cultura sergipana
Sergipe se despede do historiador Paulo Nascimento

O clima era pesado, daqueles que a gente sente na pele. Na tarde desta sexta-feira, 26, o cemitério Santo Antônio, no bairro Industrial, em Aracaju, recebeu uma multidão silenciosa. Gente de todo tipo – jovens, idosos, intelectuais, pessoas simples – todas unidas por uma mesma dor. A despedida do professor Paulo Nascimento, aos 75 anos, não foi apenas mais um funeral. Parecia que uma parte da história de Sergipe estava sendo enterrada junto com ele.

Quem chegava perto do caixão via aquela expressão serena, quase como se ele estivesse apenas pensando profundamente sobre algum detalhe histórico que ninguém mais tinha percebido. O homem que dedicou a vida inteira a desvendar os segredos do passado sergipano agora fazia parte dele.

Uma vida entre livros e paixão pela terra natal

Paulo não era daqueles historiadores enfadonhos, sabe? Tinha um jeito peculiar de contar histórias – fazia você se sentir dentro delas. Lembro que certa vez, numa palestra no Instituto Histórico, ele descreveu o encontro de Tomé de Souza com os índios como se estivesse narrando um romance. Os olhos brilhavam, as mãos gesticulavam, e a plateia ficava absolutamente hipnotizada.

Seus livros – mais de quinze obras publicadas – são testemunhas mudas desse amor pela cultura local. Desde "Raízes Sergipanas" até seu último trabalho sobre as tradições juninas no interior, cada página transborda essa paixão contagiante que ele tinha pela nossa terra.

O adeus dos que ficaram

No velório, dava pra ver de tudo um pouco. A sobrinha Maria Clara, com os olhos inchados, contava como o tio transformava visitas familiares em aulas de história. "Ele mostrava uma igreja antiga e já começava a contar quem construiu, quantos escravos trabalharam ali, que histórias fantasmagóricas circulavam por aquelas paredes..."

Já o amigo de longa data, professor Carlos Alberto, lembrava das madrugadas no arquivo público, revirando documentos amarelados. "Paulo tinha uma paciência de jesuíta para pesquisar. Enquanto eu já estava cansado, ele continuava animado, como se pudesse encontrar a certidão de nascimento do próprio estado a qualquer momento."

E não foram poucos os ex-alunos que apareceram. Muitos hoje são professores, pesquisadores, profissionais que carregam um pedacinho do que aprenderam com ele. Dá até um certo conforto pensar que o legado continua, espalhado por aí, influenciando novas gerações.

O silêncio que fala mais que palavras

O que mais me marcou, confesso, foi ver aquela fila de pessoas querendo se despedir. Gente simples, que talvez nem entendesse todos os conceitos históricos que Paulo dominava, mas que reconhecia nele um defensor ferrenho da identidade sergipana. O povo percebe quando alguém trabalha por amor, não por obrigação.

Às 16h, quando o corpo foi levado para o sepultamento, o sol já começava a se por. Simbólico, não? Parecia que o dia também estava de luto. As pálpebras pesadas, aquele cansaço que só uma grande emoção provoca – todos sentiam a mesma coisa.

Paulo Nascimento se foi, isso é fato. Mas deixou um vazio que só as grandes pessoas deixam. E paradoxalmente, também deixou tudo muito cheio – de histórias, de ensinamentos, de amor por Sergipe. Como ele mesmo dizia: "A morte não apaga uma vida bem vivida; só transforma memória em legado". E que legado!