
Imagine um cilindro de madeira giratório embutido na parede de um convento. Dentro dele, um pacotinho de choro e esperança. Assim funcionava a Roda dos Expostos em Santa Catarina no século XIX - um sistema que hoje nos parece tão estranho quanto cruel, mas que na época representava a única chance de sobrevivência para muitos recém-nascidos.
Quando a igreja virou berço
Entre 1850 e 1920, mais de 500 crianças foram deixadas na Roda da Santa Casa de Misericórdia de Desterro (atual Florianópolis). A ironia? O dispositivo ficava justamente na Rua da Conceição - nome que não poderia ser mais simbólico.
Mães desesperadas - muitas delas escravizadas ou pobres demais para criar mais um filho - depositavam os bebês ali, giravam a roda e... desapareciam na noite. Do outro lado, freiras recolhiam os pequenos sem nunca ver quem os deixara.
Os números que doem
- 58% morriam antes de completar 1 ano
- A maioria vinha de famílias escravas ou extremamente pobres
- Meninas eram abandonadas com mais frequência que meninos
Não era um sistema perfeito - longe disso. A mortalidade infantil nas Rodas chegava a assustadores 60%. Mas, convenhamos, nas ruas ou no mato, as chances eram ainda piores.
O legado que virou museu
Hoje, a última Roda dos Expostos de Santa Catarina está preservada no Museu da Santa Casa - um testemunho silencioso de um tempo em que a sociedade tentava, à sua maneira, lidar com um problema que persiste: o abandono infantil.
Curiosamente, o sistema só foi oficialmente extinto em 1950. Mas cá entre nós - será que realmente desapareceu? Ou apenas se modernizou, trocando a madeira por abrigos e a clandestinidade por burocracia?
Uma coisa é certa: cada criança abandonada naquela roda giratória carregava consigo uma história de dor, mas também de resiliência. E essas histórias, mesmo as mais tristes, merecem ser lembradas.