Aos 62 anos, Ilona Biskup sentiu vergonha ao visitar pela primeira vez um banco de alimentos em Miami, Flórida. Após uma carreira de 32 anos como comissária de bordo, pagando impostos e economizando, ela agora se pergunta por que precisa de ajuda para se alimentar. Sua aposentadoria, conquistada com trabalho duro, não é suficiente para cobrir suas necessidades básicas.
Da estabilidade à vulnerabilidade em poucos anos
Ilona Biskup conseguiu comprar um apartamento com vista para o mar em Miami Beach com suas economias. No entanto, uma série de eventos inesperados consumiu seu patrimônio. Dois tratamentos contra o câncer – primeiro de mama e depois de pâncreas – esgotaram suas finanças. Recentemente, um diagnóstico de doença de Parkinson a obrigou a recorrer ao dinheiro da aposentadoria mais cedo do que planejava.
Sua pensão por invalidez, de US$ 2 mil mensais (cerca de R$ 10,7 mil), cobre apenas custos de moradia e serviços. Embora este valor a coloque tecnicamente acima da linha da pobreza oficial dos EUA – fixada em US$ 15.650 anuais (cerca de R$ 7 mil por mês) –, ele não é suficiente para alimentação. Ela é proprietária da casa e do carro, mas não tem dinheiro para comida.
Um problema estrutural que atinge milhões
A história de Ilona não é isolada. Ela faz parte de um amplo setor da população americana que vive no limite financeiro. O sociólogo Mark Rank, da Universidade Washington em St. Louis, Missouri, alerta que quase 60% dos adultos americanos viverão pelo menos um ano abaixo da linha da pobreza e 75% experimentarão pobreza ou situação similar.
"Basicamente, existem três caminhos rumo à pobreza nos Estados Unidos: perder o emprego, uma emergência de saúde ou a separação das famílias", explica Rank. Ele atribui o problema a fatores estruturais: uma rede de previdência social fraca e a criação de empregos mal remunerados e sem benefícios.
Dados do Pew Research Center, de maio deste ano, mostram a dimensão do problema:
- 27% dos americanos tiveram problemas para pagar assistência médica no último ano.
- 20% precisaram recorrer a um banco de alimentos no mesmo período.
- 68% dos adultos afro-americanos e 67% dos hispano-americanos não têm fundo de reserva para emergências.
Uma pesquisa do Conselho Nacional para o Envelhecimento (NCOA) revelou uma consequência trágica: idosos com menos recursos econômicos morrem, em média, nove anos antes daqueles com maior patrimônio.
A dependência de programas de assistência e a luta diária
Biskup é uma das 42 milhões de pessoas que dependem do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), principal plano de assistência alimentar dos EUA. Ela recebe US$ 225 mensais (cerca de R$ 1,2 mil) no cartão do programa. No entanto, em meio ao fechamento do governo federal no ano passado – o mais longo da história, com 43 dias –, os pagamentos do SNAP foram suspensos temporariamente por ordem do então presidente Donald Trump.
Foi durante essa interrupção que Ilona visitou o Feeding South Florida, o maior banco de alimentos do sul do estado, que atende 25% dos moradores da região em situação de insegurança alimentar. Lá, ela pôde levar 10 produtos frescos e 10 embalados. Escolheu itens como bananas, tomates, arroz e macarrão, sempre verificando as informações nutricionais com um aplicativo no celular, cuidados que mantém desde sua recuperação do câncer.
Paco Vélez, presidente do Feeding South Florida, testemunhou um aumento drástico na procura após a suspensão do SNAP. "As famílias têm medo e não sabem como irão pagar não só pela comida, mas por tudo", afirma. O banco, que no início do ano atendia cerca de 40 famílias por dia, viu o número saltar para 120 famílias diárias em novembro.
Além do banco de alimentos, Ilona frequenta um centro comunitário em Miami Beach, onde almoça gratuitamente após praticar Tai Chi ou Qi Gong, atividades que a ajudam a lidar com os sintomas do Parkinson. Determinada, ela afirma: "Este apartamento é o meu refúgio, o lugar onde me recuperei de câncer duas vezes e onde espero viver tudo o que o Parkinson irá trazer. Farei todo o possível para continuar vivendo perto do mar."
Sua história é um retrato vívido de como a combinação de um sistema de saúde oneroso, uma rede de segurança social frágil e empregos precários pode levar à pobreza mesmo aqueles que trabalharam a vida toda, desafiando o chamado "sonho americano".