Brasil joga dominó enquanto EUA e China disputam xadrez na economia global
Brasil precisa de projeto para economia verde em jogo global

O cenário geopolítico mundial está passando por transformações profundas, e o Brasil precisa definir urgentemente seu lugar neste novo tabuleiro. Enquanto Estados Unidos e China traçam estratégias complexas de longo prazo, o país continua reagindo aos eventos sem uma visão clara de futuro.

O xadrez das superpotências

Estados Unidos e China estão redefinindo silenciosamente os fundamentos da economia global. Cada nação age com clareza, método e propósito estratégico, tratando produção, comércio e agricultura como peças de um jogo muito maior que simples transações comerciais.

Nos Estados Unidos, a discussão já não se concentra em porcentagens de tarifas, mas sim em como cada cadeia produtiva afeta a segurança nacional. Centros de pensamento influentes como a Heritage Foundation, que tem grande peso sobre o secretário de Estado Marco Rubio, defendem o fim da era da integração automática com a China. A nova ordem é reduzir riscos, diversificar dependências e recuperar capacidades industriais perdidas em décadas de deslocamento produtivo.

Do outro lado do tabuleiro, a China opera com disciplina impressionante. Seu novo marco de segurança alimentar, documentos anuais de orientação rural e projeto de autossuficiência demonstram uma visão de longo prazo. Pequim investe pesadamente em reservas estratégicas, terras raras, ciência aplicada ao campo e tecnologia verde, elevando a agricultura ao centro de sua estratégia de sobrevivência e projeção global.

O dominó brasileiro

Enquanto as duas maiores potências planetárias jogam xadrez, o Brasil tenta ser vencedor jogando dominó. A questão não está na falta de talento ou potencial, mas na ausência de um projeto nacional consistente e ambicioso.

O país continua preso a debates sobre tarifas, acesso sanitário ou frases diplomáticas que dizem pouco em um mundo que já opera em outro ritmo. Agricultura, energia, tecnologia e finanças se tornaram ferramentas de afirmação nacional, mas o Brasil segue negociando como se tivesse pouco a oferecer.

Um exemplo recente ilustra bem essa diferença de abordagem. Enquanto Argentina, Equador e países da América Central conseguiram avanços nas relações com Washington por entenderem o que os Estados Unidos realmente valorizam - segurança, estabilidade política e cooperação regional - o Brasil ofereceu apenas argumentos técnicos. Eles falaram de poder, nós falamos de comércio.

O caminho para a grandeza

O Brasil ocupa uma posição extraordinária no cenário global. Somos pilar da segurança alimentar mundial, parceiro essencial para a China e potencial aliado estratégico para os Estados Unidos. Temos todas as condições para liderar um novo capítulo da economia verde, dominar tecnologias aplicadas ao campo e influenciar padrões de produção.

Para transformar esse potencial em realidade, precisamos abandonar a lógica da reação e assumir a lógica do projeto. Isso significa tratar o agronegócio como centro de uma política de Estado capaz de irradiar tecnologia, formação profissional, biotecnologia, energia renovável e logística inteligente.

Nas negociações com os Estados Unidos, devemos discutir não apenas tarifas, mas ciência, presença industrial, cooperação em energia limpa e novas arquiteturas de segurança alimentar. Com a China, precisamos negociar com a mesma firmeza, buscando contratos estáveis, inovação conjunta e autonomia regulatória.

A disputa entre as potências não é convite para escolher um lado, mas alerta para definir quem queremos ser. País que apenas fornece não decide, país que formula decide. O século que se abre não será gentil com quem assiste de fora, e temos a chance rara de transformar nossa força produtiva em influência e respeito internacional.

O Brasil sempre teve vocação para grandeza. A pergunta que permanece é se teremos coragem para exercê-la antes que outros decidam por nós.