O tradicional aumento na procura por trabalhadores no final do ano, impulsionado pelas encomendas de Natal e pela pressa dos consumidores, está encontrando um obstáculo inédito em 2023: a escassez de mão de obra. Diferente de outros anos, as empresas estão se desdobrando para encontrar funcionários, com anúncios de vagas espalhados por lojas e confecções, mas poucos candidatos para preenchê-las.
Milhares de vagas sem candidatos em São Paulo
A situação é crítica em polos comerciais importantes. Somente na região do comércio popular do Brás, no centro de São Paulo, há cerca de 10 mil vagas em aberto. A realidade não é diferente no bairro vizinho, o Bom Retiro. Cinthia Kim, representante do setor, confirma a dificuldade: “A gente tá com uma deficiência de mão de obra, principalmente essa mão de obra técnica também. A gente está procurando bastante e tá difícil de contratar”.
A experiência da empresária Camila ilustra bem o problema. Com 17 funcionários divididos entre loja e oficina de costura, ela precisa de mais três colaboradores. No entanto, as entrevistas marcadas frequentemente não se concretizam. Os candidatos apresentam novas prioridades: “Algumas pessoas nos falaram assim: ‘eu achei que é muito longe da minha casa, a questão do transporte impacta bastante… achei um emprego mais perto, que até paga menos, mas é melhor para mim’”, relata Camila. Outros mencionam a preferência por trabalhos home office ou propõem atuar como freelancers.
Freelancers e a busca por flexibilidade
Diante da impossibilidade de contratar com carteira assinada, muitas empresas recorrem a arranjos informais. É o caso de trabalhadoras como Tati e Elis. Elas optaram pelo trabalho freelance para conciliar a vida profissional com demandas pessoais urgentes, como cuidar de um marido doente ou de um filho autista.
“Eu já fui CLT muitos anos, mas por conta da rotina da mãe atípica, eu precisei escolher o freelance”, explica Elismayane Lima Bezerra. Tatiane Aparecida, que trabalha como passadeira, complementa: “Eu venho alguns dias quando eles precisam e quando ele tem alguma consulta, aí eu não venho. Depois eu quero me registrar, que é melhor, mais seguro”.
Economista explica causas do fenômeno
Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo, aponta duas razões principais para a escassez de trabalhadores formais. “O desemprego tá no mínimo histórico e, portanto, isso reflete uma escassez de mão de obra”, afirma. O outro fator é o crescimento significativo do trabalho por conta própria, como entregadores por aplicativo e motoristas de Uber, que oferecem uma autonomia que o emprego tradicional nem sempre proporciona.
Benefícios se tornam armas de atração
Nesse cenário de competição acirrada, especialmente durante as vendas de final de ano, quem sai ganhando são os trabalhadores. Para atrair e reter talentos, as empresas são forçadas a melhorar suas ofertas. Uma empresa de logística, por exemplo, adotou um pacote de medidas que inclui aumento salarial, ampliação de benefícios e a eliminação da escala 6x1.
Agora, a escala é de cinco dias de trabalho para dois de folga. “É muito bom 5 por 2, é realmente vida. A gente consegue ter uma vida fora do trabalho”, comemora Caíque Dias, encarregado de expedição. A empresa também criou um programa de indicações: quem indica um novo contratado ganha R$ 150, e o funcionário que não falta e não chega atrasado recebe um bônus de R$ 250.
Isabel Menendez, diretora de RH da distribuidora Loggi, resume a estratégia: “A gente fez uma série de ajustes, né? Não só com remuneração, mas também com benefícios… Todo mundo sai ganhando”. Entre os ajustes está a adaptação do transporte fretado para melhorar a qualidade de vida dos colaboradores.
O mercado de trabalho brasileiro vive um momento de virada, onde o poder de barganha parece estar migrando, pelo menos em setores específicos e em períodos de alta demanda, das empresas para os trabalhadores. A busca por flexibilidade, qualidade de vida e remuneração justa está remodelando as relações de trabalho às vésperas do Natal.