O Supremo Tribunal Federal (STF) avançou significativamente no julgamento que discute a omissão do Estado brasileiro perante as violações de direitos da população negra. Durante a sessão da última quinta-feira (27), formou-se uma maioria de oito votos favoráveis ao reconhecimento da violação sistêmica desses direitos fundamentais.
Voto histórico com cultura e literatura
A ministra Cármen Lúcia trouxe para seu voto referências culturais profundamente significativas. Ela citou trechos da música Ismália, do rapper Emicida, para ilustrar as desigualdades raciais no país. "A felicidade do branco é plena; a felicidade do preto é quase", recitou a ministra, acrescentando: "Eu não espero viver num país em que a Constituição para o branco seja plena, e para o negro seja quase".
Em um momento emocionante do julgamento, Cármen Lúcia foi além e recorreu à obra da escritora Carolina de Jesus, autora do clássico "Quarto de Despejo". A ministra lembrou os versos: "Não digam que fui rebotalho / Que vivia à margem da vida / Digam que eu procurava trabalho / Mas fui sempre preterida".
Reconhecimento do estado inconstitucional
O julgamento teve início na quarta-feira (26), com o voto do ministro relator Luiz Fux, que se manifestou favorável à declaração do "estado de coisas inconstitucional". Este reconhecimento implica que há violação sistemática dos direitos fundamentais da população negra brasileira.
Como consequência dessa decisão, o Poder Executivo terá que revisar o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial ou elaborar um novo plano de combate ao racismo institucional. O prazo estabelecido é de 12 meses para conclusão deste trabalho, que deve incluir metas e prazos bem definidos.
Medidas propostas pelo STF
Entre as principais medidas sugeridas pelo ministro Fux estão:
- Criação de protocolos de atendimento a pessoas negras nos órgãos de Justiça
- Inclusão de tribunais, Ministério Público, Defensorias e polícias nesses protocolos
- Revisão do plano com ações em saúde, segurança alimentar e segurança pública
- Implementação de políticas reparatórias e de construção de memória
A ministra Cármen Lúcia foi enfática ao declarar: "Não é possível continuar preterindo mais da metade da população brasileira por puro, grave, trágico racismo - é isso que nós temos". Ela destacou que a insuficiência das medidas tomadas até agora não revela a superação do racismo histórico e estrutural que persiste no país.
O julgamento ainda não foi concluído e deve retornar ao plenário do Supremo em data a ser definida, quando os detalhes da decisão final serão debatidos pelos ministros.