Um caso de intolerância religiosa e abuso de autoridade chocou a comunidade educacional de São Paulo. Policiais militares fortemente armados invadiram uma escola de educação infantil após um pai reclamar de atividades pedagógicas sobre cultura africana desenvolvidas com crianças de 4 a 6 anos.
Ação policial desproporcional em ambiente escolar
As imagens obtidas pela GloboNews mostram diversos desenhos ligados à cultura africana que integram as atividades curriculares da EMEI Antônio Bento, localizada na Zona Oeste de São Paulo. Entre as produções artísticas das crianças estavam representações de orixás, pinturas inspiradas na estética da moda africana e desenhos de máscaras tradicionais.
O episódio ganhou proporções alarmantes quando o pai de uma aluna, que é policial militar da ativa, acionou colegas da corporação após sua filha ter feito um desenho relacionado a Iansã, divindade das religiões de matriz africana. Testemunhas relataram que os agentes entraram na escola com armamento de alto calibre, incluindo uma metralhadora.
Segundo relatos, durante a abordagem, uma funcionária da escola foi prensada contra a parede e teve uma arma encostada em seu corpo. Crianças com idades entre 4 e 6 anos foram expostas à presença intimidadora de policiais fortemente armados dentro do ambiente escolar.
Investigações e reações institucionais
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo abriu um procedimento para investigar a ação e solicitou à Corregedoria da PM as imagens das câmeras corporais, do circuito interno da escola e os boletins de ocorrência. A Ouvidoria afirma que há indícios de racismo religioso e destaca que o episódio será apurado com rigor.
O ouvidor Mauro Caseri foi enfático ao declarar que "é preciso responsabilizar e corrigir firmemente atos dessa natureza, sob pena de termos um crescimento ainda maior da intolerância". Ele também ressaltou que a atividade pedagógica cumpria a legislação sobre ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena.
Parlamentares de diferentes Casas acionaram órgãos de controle, o Ministério Público e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) para investigarem o caso. Documentos mostram que ao menos sete parlamentares já se pronunciaram formalmente sobre o ocorrido.
Posicionamento político e jurídico
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e a vereadora Luana Alves (PSOL) acionaram formalmente o Ministério Público, solicitando investigação sobre a presença dos PMs armados dentro da escola. Elas afirmam que os agentes intimidaram e ameaçaram crianças e educadores.
O Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), deputado federal, classificou o episódio como "grave" e afirmou que a Comissão Parlamentar em Defesa do Estado Laico, presidida por seu mandato, vai acionar o Ministério Público e a Corregedoria da PM.
O Ministério Público determinou uma série de diligências obrigatórias, incluindo pedido à Secretaria Municipal da Educação para detalhar o suporte dado à escola e identificação dos policiais envolvidos. O MP também solicitou o envio do caso à Promotoria de Justiça Militar.
Implicações legais e educacionais
Para o advogado criminalista Welington Arruda, mestre em Direito, a presença de PMs armados na escola ultrapassa todos os limites institucionais aceitáveis. Ele explica que a ação é incompatível com a legalidade, com a proporcionalidade e com a própria missão constitucional da Polícia Militar.
Arruda destacou que "a atividade escolar estava alinhada ao ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira, conforme determina a Lei 10.639/03". O especialista também expressou preocupação com os relatos de violência contra a funcionária e a exposição de crianças ao armamento pesado.
A Secretaria de Segurança Pública afirmou que instaurou procedimento para investigar a conduta dos quatro PMs envolvidos e que as câmeras corporais e depoimentos estão sendo analisados. O Ministério Público conduz diligências para avaliar se instaurará inquérito civil ou ação civil pública.
O caso da EMEI Antônio Bento expõe tensões profundas entre o cumprimento da legislação educacional sobre diversidade cultural e manifestações de intolerância religiosa dentro das instituições públicas.