Pastor ameaça moradores de rua e MP investiga 'higienização' em cidades
Pastor ameaça moradores de rua e MP investiga 'higienização'

Um vídeo gravado na Câmara de Vereadores de Divinópolis, em Minas Gerais, expôs declarações graves de um pastor contra pessoas em situação de rua. O homem, identificado como Wilson Botelho, fez ameaças de morte em uma gravação que circula nas redes sociais. "Se você atravessar aquela ponte, amanhã às 4 horas da tarde eu vou fazer seu sepultamento", disse ele. Em outro trecho, afirmou: "É só eu dar uma ligada e você toma dois tiros na cabeça".

Investigações do Ministério Público e prática ilegal

O caso em Divinópolis não é isolado. Ele ocorre em meio a uma série de denúncias de expulsões, remoções irregulares e medidas de "higienização" adotadas por prefeituras em várias regiões do Brasil. O Ministério Público já iniciou apurações para investigar práticas como transporte compulsório, abordagens irregulares e deslocamentos forçados. Essas condutas são proibidas desde 2023 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

O pastor Wilson Botelho se defendeu, alegando que foi mal interpretado. Ele classificou sua fala como "infeliz" e disse que não costuma agir dessa maneira. "Eu nunca maltratei um mendigo. Eu invisto a minha vida em outras vidas. Eu fui infeliz na fala porque eu nunca usei dessa artimanha", declarou.

Uso irregular de passagens de ônibus e denúncias em outros estados

As investigações também focam no uso supostamente irregular de passagens de ônibus. A lei permite que municípios ofereçam passagens em casos emergenciais ou de vulnerabilidade temporária. No entanto, há denúncias de que o benefício está sendo usado como ferramenta para afastar pessoas consideradas indesejadas das cidades.

Em Divinópolis, a prefeitura pagou 564 passagens de ônibus para pessoas em situação de rua nos últimos seis meses. Um exemplo é o caso de Aparecida Araújo, de 60 anos, que chegou de Nova Serrana. Ela foi atendida pela assistência social e, no mesmo dia, recebeu uma passagem para Oliveira, cidade onde afirma não ter nenhum vínculo. Questionada se recebeu orientação sobre trabalho, ela negou: "Estou indo com a cara e a coragem".

A defensora pública Raquel Passos critica a rapidez do procedimento. "Não tem como um gestor público conhecer, numa tarde, os problemas que trouxeram aquela pessoa para a situação de rua", afirmou.

Em Santa Catarina, moradores de rua também relatam intimidação. Alejandro Gallego, uruguaio que vive no Brasil há dez anos, contou: "Me tiraram da cidade e me falaram para eu não voltar mais, que seria ruim para mim". Em Balneário Camboriú, a prefeita Juliana Pavan (PSD) aparece em vídeos confrontando pessoas: “Na rua, aqui, a gente não vai aceitar ninguém”.

Decisão do STF e alerta de especialistas

Em 2023, o STF proibiu expressamente a remoção forçada e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua, direito que se estende a refugiados. Apesar da decisão, um levantamento indica que municípios de 18 estados adotaram medidas semelhantes, muitas vezes justificadas pela dependência de álcool e drogas dos indivíduos.

Especialistas são unânimes em apontar a ilegalidade. "É uma situação absolutamente inconstitucional. Qualquer cidadão brasileiro tem direito a livre locomoção no território nacional", afirma Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da UERJ.

Em Belo Horizonte, a Câmara Municipal aprovou, em primeira votação, um projeto para enviar pessoas de volta para suas cidades de origem. A defensora pública Raquel Passos vê o projeto com ressalvas: "A princípio, ela parece ser uma medida higienista, no sentido de organizar o espaço urbano, retirando as pessoas desse espaço urbano. Isso não pode, é inconstitucional".

Todas as prefeituras mencionadas na reportagem informaram que promovem ações para reinserir pessoas em situação de rua no mercado de trabalho. O Ministério Público segue acompanhando os casos e afirma que os municípios podem ser responsabilizados se continuarem com práticas que resultem em expulsões, ameaças ou remoções forçadas.