Homens negros têm 211% mais risco de morte por arma no Brasil
Negros têm 211% mais risco de morte por arma no Brasil

Uma pesquisa do Instituto Sou da Paz revela que homens negros possuem 211% mais probabilidade de serem vítimas de homicídio por arma de fogo no Brasil em comparação com homens não negros. O estudo, divulgado no Dia da Consciência Negra, analisou mais de uma década de dados oficiais sobre violência letal no país.

Padrão persistente de violência racial

Os números mostram um cenário alarmante: 80% das vítimas de homicídios por armas de fogo são negras, com predominância de jovens entre 20 e 29 anos. A maioria dessas mortes ocorre em vias públicas, evidenciando a natureza urbana dessa violência.

A pesquisa utilizou dados do Ministério da Saúde, incluindo registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) de 2012 a 2023 e notificações de agressões do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre 2012 e 2024.

Desigualdade regional e operações policiais

A disparidade racial aparece em todas as regiões brasileiras, mas se mostra mais acentuada no Nordeste e Norte do país. Em 2023, o Nordeste concentrou quase metade dos homicídios masculinos por arma de fogo, registrando a maior taxa nacional: 55,8 mortes por 100 mil homens, sendo 90% das vítimas negras.

O Norte aparece em seguida com 45,7 mortes por 100 mil homens, em um contexto marcado por disputas entre facções criminosas, conflitos fundiários e garimpo ilegal. Em contraste, o Sudeste apresenta a menor taxa (15,3), ainda que concentre 20% dos casos.

O Sul se destaca como a única região onde a maioria das vítimas é não negra, reflexo do perfil demográfico local.

Em números absolutos, a Bahia lidera com 5.209 homicídios por arma de fogo em 2023, seguida por Pernambuco (2.810) e Rio de Janeiro (2.596). Quando analisada a taxa por 100 mil homens, o Amapá aparece no topo com 111,5, seguido pela Bahia (73,2) e Pernambuco (62,0).

Entre as capitais, os piores índices estão em Macapá, Salvador, Recife e Maceió. Em todas as capitais brasileiras, sem exceção, homens negros morrem mais do que homens não negros.

Operação no Rio e violência não letal

O Rio de Janeiro, terceiro estado em número absoluto de homicídios por arma de fogo, viveu em outubro a operação policial considerada a mais letal da história do país. A ação nos complexos do Alemão e da Penha resultou em 121 mortos segundo dados oficiais.

Entre os 115 perfis de civis analisados pela Polícia Civil, todos eram homens, com média de idade de 28 anos - padrão compatível com o recorte nacional de maior vitimização. O mais jovem tinha apenas 14 anos.

A pesquisa também revela que 49% dos homicídios masculinos ocorrem em vias públicas, como ruas, becos e estradas. Residências representam apenas 11,6% dos casos.

A desigualdade racial se manifesta igualmente na violência armada não letal. Entre 2012 e 2024, o Sinan registrou 58.549 notificações de agressões cometidas com armas de fogo contra homens. Depois de cair até 2021, o número voltou a subir, chegando a 5.605 registros em 2024 - aumento de 59% em três anos.

Críticas às políticas de segurança

No dia da operação no Rio, mais de 30 organizações de direitos humanos, incluindo Anistia Internacional, Justiça Global e Conectas, divulgaram nota conjunta classificando a ação como "a maior matança produzida pelo Estado brasileiro".

Para as entidades, a intervenção "reitera o padrão de letalidade dirigido contra populações negras e empobrecidas" e evidencia uma política que "substitui a legalidade por ações militares de grande escala".

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, defende que os dados apresentam uma realidade conhecida que precisa ser reconhecida no cerne das políticas públicas. "É preciso investir na prevenção dos fatores da violência armada, controlando a disponibilidade de armas de fogo tanto no mercado legal quanto no enfrentamento ao tráfico ilegal", afirma.

O estudo reforça que a política de segurança pública no Brasil continua falhando em enfrentar a combinação entre raça, gênero e território, mantendo um padrão de violência que afeta desproporcionalmente a população negra e jovem do país.