11 milhões de mães solo no Brasil: Justiça reconhece sobrecarga em pensão
Maternidade solo: Justiça considera sobrecarga em pensão

Uma realidade que afeta milhões de lares brasileiros está ganhando novos contornos no sistema judiciário. De acordo com um estudo do Ibre-FGV, o Brasil possui atualmente cerca de 11 milhões de mães solo, um contingente que representa aproximadamente 15% de todos os domicílios do país. Esse dado não apenas evidencia uma estrutura familiar comum, mas também joga luz sobre a sobrecarga intensa vivida por essas mulheres, que acumulam os papéis de provedoras, gestoras do lar e cuidadoras integrais dos filhos.

O trabalho invisível da maternidade solo

Para especialistas, a rotina exaustiva imposta pela maternidade solo vai muito além das tarefas físicas visíveis. Trata-se de um trabalho contínuo que envolve desgaste emocional, responsabilidade ininterrupta e uma carga mental que acompanha a mulher 24 horas por dia. Esse esforço, historicamente naturalizado pela sociedade, começa a ser reconhecido como um fator relevante em decisões judiciais, especialmente na fixação do valor da pensão alimentícia.

A advogada Luana Oliveira Miranda, especialista em Direito das Famílias e atuante em São José dos Campos, destaca que o tema marca uma mudança importante na interpretação da lei. "A maternidade solo impõe uma rotina exaustiva. É um trabalho diário, silencioso, mas essencial para que o filho cresça em segurança. A Justiça começa a entender que esse esforço precisa ser reconhecido e valorizado", explica a profissional.

Como a Justiça está avaliando a sobrecarga

Quando a mãe detém a guarda física e assume integralmente os cuidados diários da criança, esse fator tem sido cada vez mais considerado pelos magistrados. A tendência, conforme apontam especialistas, é reconhecer que o tempo dedicado ao cuidado direto substitui parte do custeio financeiro que seria normalmente exigido do outro genitor.

"Muitas mulheres enfrentam essa jornada praticamente sozinhas, sem apoio paterno", afirma Luana Oliveira Miranda. "Elas trabalham fora, cuidam da casa, acompanham tarefas escolares, levam ao médico e ainda são emocionalmente responsáveis pelo bem-estar dos filhos. Isso tem peso jurídico e precisa ser refletido no valor da pensão", completa a advogada.

As cinco dimensões da sobrecarga invisível

A análise do tema revela camadas complexas do trabalho materno não remunerado. Especialistas elencam cinco reflexões centrais sobre essa carga:

  • Carga mental constante: Mesmo em momentos de descanso, a mãe precisa lembrar, planejar e antecipar uma infinidade de detalhes, desde consultas médicas e horários escolares até questões de alimentação e segurança.
  • Jornada ininterrupta: Para mães solo, atividades básicas como dormir uma noite inteira ou fazer uma refeição com calma se tornam raridades. A maternidade, nesse contexto, raramente permite um descanso real.
  • Trabalho emocional não contabilizado: A mãe é a principal responsável por acolher medos, inseguranças, frustrações e todas as demandas afetivas da criança, um processo fundamental para o desenvolvimento emocional saudável.
  • Impacto econômico bilionário: Se fosse contabilizado como trabalho formal, o cuidado materno exercido pelas mães solo teria um impacto de bilhões de reais no Produto Interno Bruto (PIB) do país, evidenciando como a "economia do cuidado" sustenta a sociedade.
  • Aumento da desigualdade: A ausência da corresponsabilidade paterna intensifica a sobrecarga exclusiva sobre a mulher, ampliando vulnerabilidades sociais e financeiras já existentes.

Um passo para transformar realidades

Para a advogada Luana Oliveira Miranda, incluir a sobrecarga materna nos parâmetros de cálculo da pensão alimentícia representa um avanço na correção de distorções históricas. "Não se trata de favorecer a mãe, mas de reconhecer que criar um filho exige tempo, energia e dedicação contínua. A Justiça precisa refletir a vida real das famílias brasileiras", destaca.

Nos últimos anos, diversas decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça de vários estados têm refletido essa nova compreensão. Esse movimento consolida um avanço significativo para o Direito das Famílias e para a valorização prática do papel materno, indo além do discurso e impactando diretamente a vida de milhões de mulheres e crianças no Brasil.

"Reconhecer é o primeiro passo para transformar", conclui a especialista, sinalizando que a mudança na interpretação jurídica é um reflexo necessário da transformação social já em curso, que demanda maior equidade na divisão das responsabilidades familiares.