Após quinze anos de vigência, a polêmica Lei de Alienação Parental está a um passo de ser extinta no Brasil. O projeto de revogação da norma foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na última quarta-feira, 4 de dezembro de 2025, e agora segue para análise do Senado Federal.
Da proteção à distorção: a história da lei
Sancionada em 2010 com o número 12.318, a Lei de Alienação Parental foi criada com um objetivo nobre: proteger crianças e adolescentes da manipulação psicológica por parte de um dos genitores durante processos de separação. A ideia era coibir práticas em que um pai ou mãe tentasse, de forma sistemática, desqualificar o outro progenitor, prejudicando a formação de vínculos familiares saudáveis.
A legislação previa punições para quem praticasse a alienação, que podiam ir desde multas até a alteração da guarda ou a suspensão da autoridade parental. No entanto, o que era uma ferramenta de proteção se transformou, na prática, em um instrumento de defesa para agressores, segundo apontam especialistas e a própria Defensoria Pública da União.
Como a lei passou a blindar abusadores
O grande problema identificado por advogados e defensores de direitos humanos foi a apropriação da lei por pais acusados de violência. Em muitos casos, quando a mãe denunciava agressões físicas, psicológicas ou sexuais, o suposto agressor usava a acusação de alienação parental como contra-ataque.
Victória Araújo Acosta, advogada especialista em direito da família e violência doméstica, explica o fenômeno: "Em muitos casos, a resistência da criança ao convívio com o pai decorre de histórico de violência, negligência ou ausência paterna. Ainda assim, a responsabilidade é deslocada para a mãe, sob a acusação de alienação".
Para a especialista, a lei falhou em seu propósito original e permitiu que "genitores violentos, ausentes e irresponsáveis" invertessem a lógica das acusações, colocando as vítimas em situação de ainda maior vulnerabilidade.
Crescimento alarmante de processos
Os números comprovam a distorção no uso da legislação. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que o total de ações movidas com base na Lei de Alienação Parental cresceu mais de dez vezes em uma década.
Em 2014, foram registrados 401 processos. Já em 2023, esse número saltou para mais de 5.000 casos. Para Victória Acosta, esse cenário inibe vítimas de violência doméstica a denunciarem seus agressores, por medo de retaliação envolvendo os filhos.
"Muitas mulheres deixam de relatar abusos, especialmente os de difícil comprovação imediata, porque sabem que uma das consequências previstas na lei é a alteração de guarda", avalia a advogada.
O caminho para a revogação
A votação na CCJ foi uma das mais apertadas da história recente da comissão, com confronto entre parlamentares de direita (majoritariamente favoráveis à manutenção da lei) e esquerda (com maioria contrária). Ao final, a proposta de revogação passou com 37 votos a favor e 28 contra.
A relatora do projeto, deputada federal Laura Carneiro (PSD-RJ), justificou a posição em seu parecer: "Passados doze anos desde a sanção desta norma, concluiu-se que ela não apenas não gerou os efeitos desejados, ou seja, os de reduzir atos abusivos de genitores no processo de separação e disputa por custódia, como tem sido aplicada de maneira a gerar problemas ainda mais graves que aqueles que pretendia mitigar".
Agora, o projeto segue para o Senado, onde será analisado e poderá ser votado. Se aprovado pelos senadores e sancionado, a Lei de Alienação Parental deixará de existir após 15 anos de polêmicas e debates acalorados no Judiciário e na sociedade.
Posicionamento institucional e o futuro
A Defensoria Pública da União já havia se posicionado, em 2024, pela retirada do termo "alienação parental" do ordenamento jurídico brasileiro. O argumento do órgão é que não há base científica sólida para sua aplicação e que a lei se tornou uma estratégia de "violência processual" contra mulheres vítimas de agressão doméstica.
Com a possível extinção da lei, especialistas esperam que as disputas de guarda e as denúncias de violência familiar sejam analisadas com base em evidências concretas e laudos especializados, sem a sombra da acusação genérica de alienação parental que, segundo eles, silenciou inúmeras vítimas ao longo dos últimos anos.