Itália aprova feminicídio como crime hediondo e lei do consentimento
Itália aprova lei do feminicídio e consentimento sexual

O Parlamento da Itália deu um passo histórico no combate à violência de gênero ao aprovar por unanimidade a tipificação do crime de feminicídio no Código Penal do país. A medida, que prevê pena de prisão perpétua para os condenados, foi aprovada pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25) e agora segue para sanção do presidente Sergio Mattarella.

Duas leis históricas no combate à violência

A aprovação da lei do feminicídio coincidiu com o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, data que tradicionalmente mobiliza manifestações em todo o país italiano. Em Roma, no último sábado (22), mais de 50 mil pessoas foram às ruas em protestos organizados principalmente pelo movimento Non Una di Meno (Nenhuma a Menos).

Além do feminicídio, os deputados italianos já haviam aprovado por unanimidade na semana passada uma nova redação para o crime de estupro. O texto, que ainda precisa passar pelo Senado, estabelece a necessidade de consentimento "livre e atual" para relações sexuais. Na prática, significa que sem um "sim" explícito, será considerado estupro.

O que significa consentimento "livre e atual"

A nova definição legal traz conceitos importantes para a proteção das mulheres. O termo "atual" indica que a mulher pode mudar de ideia e retirar o consentimento durante o ato sexual. Já a palavra "livre" se refere ao fato de que o consentimento deve ser dado sem qualquer tipo de coerção, violência e em condições de lucidez mental.

A pena prevista para estupro na nova legislação varia de 6 a 12 anos de prisão. Especialistas comemoram a mudança como uma precisão necessária que era reivindicada há décadas no país.

Debate intensificado por casos emblemáticos

O debate sobre violência contra a mulher ganhou força na Itália nos últimos anos, impulsionado por casos de grande repercussão nacional. Um dos mais emblemáticos foi o assassinato da estudante Giulia Cecchettini, morta pelo ex-namorado em novembro de 2023 com 75 facadas. O assassino cumpre pena de prisão perpétua, demonstrando que crimes de gênero já vinham sendo severamente punidos no país mesmo antes da nova legislação.

As estatísticas mostram que a Itália apresenta uma taxa de feminicídio de 0,31 por 100 mil mulheres em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística (Istat). Em comparação, o Brasil registrou número significativamente maior: 1,4 feminicídios por 100 mil mulheres no mesmo período, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Críticas e desafios na implementação

Enquanto a lei do consentimento é amplamente celebrada, a tipificação do feminicídio enfrenta mais questionamentos. A iniciativa do governo de Giorgia Meloni recebe críticas pelo uso de termos no texto que poderiam abrir margem para interpretações subjetivas.

O crime é definido como "morte de uma mulher" cometida como "ato de ódio, discriminação ou abuso, ou ato de controle, posse ou dominação por ela ser mulher". A advogada Maria Milli Virgilio, com mais de 50 anos de atuação na área, alerta que palavras como "dominação", "posse" e "controle" não têm entendimento consolidado no direito penal italiano.

"A inovação não está só na palavra feminicídio, mas em todas as outras que não são estruturadas no direito penal. Elas se prestam a múltiplas interpretações", afirma Virgilio. O risco, segundo ela, é que a vida da vítima morta se torne alvo de averiguação para provar ou não se ela sofria controle.

Prevenção: o desafio além das leis

Especialistas destacam que não basta criar novos crimes ou aumentar penas para combater efetivamente a violência de gênero. É fundamental implementar ações de prevenção que promovam mudanças culturais profundas na sociedade.

"É um problema antigo, não só do governo Meloni. Prevenção requer investimento", ressalta a advogada Maria Milli Virgilio. A implementação das novas leis será acompanhada de perto por organizações de defesa dos direitos das mulheres e pela sociedade civil italiana.