Há sete meses, a vida de Shaiane Ribeiro mudou completamente quando sua irmã foi vítima de feminicídio. Desde então, ela assumiu a responsabilidade de criar seus três sobrinhos - um adolescente de 14 anos e um bebê de 1 ano e 10 meses que vivem com ela, além de outra criança.
Uma promessa no caixão
"Eu prometi no caixão dela e prometi para os meus sobrinhos: justiça eles vão ter. E direito deles também", declara Shaiane, emocionada. Enquanto tenta equilibrar trabalho e despesas com a nova realidade familiar, ela aguarda um direito previsto em lei: a pensão especial para filhos de mulheres mortas por questões de gênero.
A Lei nº 14.717/2023, sancionada em outubro de 2023, garante um salário mínimo por mês para cada filho ou dependente até os 18 anos. O benefício foi regulamentado pelo Decreto nº 12.636/2025, publicado em setembro, mas ainda não é pago pelo INSS porque não existe fluxo administrativo para análise dos pedidos.
Como funciona a pensão para órfãos do feminicídio
Segundo Paula Simões Dutra de Oliveira, defensora pública e dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e Adolescente, "o decreto previa 60 dias para a implementação. Em princípio, no final de novembro o encaminhamento administrativo já vai ser possível, mas, por enquanto, apenas pela via judicial".
Para agilizar os pedidos, a Defensoria Pública do Estado e a Defensoria Pública da União lançaram o projeto "Vidas que Ficam", que atua na busca ativa por órfãos, orientação das famílias e regularização da guarda, tutela ou curatela.
"A ideia é de que o pedido seja feito primeiro pela via administrativa, porque a concessão é mais rápida. Mas, havendo negativa, a judicialização é o caminho", explicou Paula.
Quem tem direito ao benefício?
O projeto-piloto atende inicialmente municípios abrangidos pelas subseções da Justiça Federal no RS:
- Porto Alegre
- Pelotas
- Santa Maria
- Canoas
- Bagé
- Uruguaiana
- Rio Grande
A iniciativa será expandida para outras cidades e inclui acolhimento psicossocial às famílias.
Cenário alarmante no Rio Grande do Sul
Os números do feminicídio no estado são preocupantes. De janeiro a outubro de 2025, o Rio Grande do Sul registrou 68 feminicídios, representando um aumento de 19% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram contabilizados 57 casos.
As tentativas também cresceram significativamente: foram 220 em 2025, frente a 189 em 2024, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública. Em apenas 10 meses, o RS já se aproxima do total registrado em todo o ano de 2024, quando houve 72 feminicídios.
Documentos necessários para solicitar a pensão
As famílias interessadas em solicitar o benefício devem reunir a seguinte documentação:
- Certidão de óbito
- Documentos pessoais da criança e do responsável
- Comprovante de guarda ou tutela
- Comprovantes de renda e inscrição no CadÚnico
- Provas do feminicídio (BO, inquérito, denúncia ou sentença)
É importante destacar que não é possível acumular a pensão com outros benefícios do INSS, regimes próprios ou sistema militar. Além disso, o autor do crime não pode administrar a pensão.
Enquanto o sistema administrativo não é implementado pelo INSS - previsão para o final de novembro -, as famílias podem buscar orientação nas Defensorias Públicas do Estado e da União para ingressar com ação judicial e garantir esse direito fundamental para as crianças que perderam suas mães para a violência de gênero.